Encontros e desencontros

Quando nos lembramos dos momentos em que encontramos “aquela pessoa” que nos fez suspirar, ofegar, podemos sentir nosso coração bater um pouco mais forte, pego de surpresa por nossas lembranças. Destas mesmas lembranças retiro certa cena, em que o amor parece bater a nossa porta de maneira divinamente inexplicável, entra sem pedir e quando começamos a nos divertir ele se despede, assim, sem mais nem menos. Lá pra 1995, estava um amigo meu na 5ª série. Ele gostava de uma menina que, pra variar, era a mais bonita da sala (momento bem “anos incríveis”), loira, de olhos claros, pele sedosa; só conseguia pensar em um jeito de puxar assunto, pois, apesar de ser um garoto extrovertido, nesses momentos perdia todo jogo de cintura. Decidiu, depois de alguns planos malogrados, que a melhor maneira de se aproximar era sentando perto dela. Com o passar do tempo se tornaram amigos e o que aconteceu foi que ele recebeu o categórico “não” e no momento da fossa, aquela viagem de excursão em que ele foi obrigado a agüentar a amada se amassando no banco da frente com seu colega de sala, aquele que era sacaneado por todo mundo (bons tempos aqueles... não existia bulling), ele descobriu que aquela outra garota, que sentava do lado da loira e era bonita também, mas na qual ele nunca reparou, estava afim dele! Ele a beijou e se apaixonou. Mas o que aconteceu no dia seguinte? Bem, ela não olhou mais na cara do infeliz, e começou a sair com os garotos da 8ª série. Esta breve lembrança nos serve de introdução para tratarmos esse tema que a princípio seria o da moderação no amor, o que, a meu ver, é intimamente ligado ao desencontro lendário entre o amante e o amado, sendo a mitologia grega meu próximo referencial.
Destacarei uma passagem interessante que se passa com o jovem Hipólito. Ele possuía uma intimidade incomum com a deusa Ártemis e era o único capaz de vê-la quando esta aparecia no mundo dos mortais. Por possuir tal intimidade, buscava agradar a deusa em detrimento de tudo, inclusive de sua família, sendo repreendido por seu pai, Teseu, a deixar sua “ascese excessiva e forçada”. Posteriormente, Hipólito é fulminado por Afrodite e em seus últimos momentos de vida é desamparado por sua amada.
“O jovem reconhece-a, empenha-se em seu último diálogo com ela, afetuoso e apaixonado: Ó senhora, vês o meu estado miserável? O que responde a deusa: Vejo; mas, aos meus olhos são proibidas as lágrimas.” 1-MPG pg. 426
As portas do Hades, Hipólito encontra-se desolado após o abandono de sua deusa, sendo consolado por seu pai Teseu que, arrependido, procurava pelo filho perdido. Neste momento de miséria, apenas o humano participa de seu sofrimento, Teseu “recolhe seu ultimo suspiro”. Outras passagens da mitologia, como a da punição de Prometeu por seu amor pela humanidade e as desventuras a que Édipo é submetido após desvendar o mistério da esfinge apontam para uma espécie de “punição” aplicada pelos deuses aos personagens que exerceram a hybris. Esta palavra significa desmedida, exagero e era vista pelos gregos como uma atitude muito negativa, assim como a idéia de pecado nos aparece atualmente, a hybris para os gregos arcaicos era associada à tirania na política e a irreverência com relação aos deuses, uma maneira de afrontá-los e de atentar contra a ordem vigente. Esse conceito de hybris dos gregos antigos encontra seu afluente contemporâneo quando falamos de nossas experiências amorosas, pois acredito que amar seja um momento de subversão que revela as forças titânicas de nossas profundezas, afrontando nossos costumes e nosso bom senso.

1-Mito e Pensamento entre os Gregos – Jean Pierre Vernant

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