Noé e a metáfora da vida


No ano seiscentos da vida de Noé, no mês segundo, aos dezessete dias do mês, naquele mesmo dia se romperam todas as fontes do grande abismo, e as janelas dos céus se abriram

Gênesis 7:11

Vou contar-lhes uma história sobre a qual vocês já ouviram falar, mas essa versão é muito minha, tão minha que será interessante postar nesse blog, antes que eu esqueça.

Quando ouvi a historia de Noé pela primeira vez estava com meus dez anos e ia regularmente para uma salinha estudar catecismo e lá fizemos desenhos e tudo mais. As perguntas mais comuns eram: como ele colocou toda aquela bicharada no barco? Como coube todo mundo? Como ele alimentou todos aqueles animais sem deixar que eles se devorassem? E seguíamos rindo da professora, uma católica voluntariosa, fazendo que acreditávamos em tudo.

Alguns anos mais tarde comecei a ver uns documentários criacionistas que queriam provar que a Arca de Noé realmente existiu, provando que pelas dimensões descritas na Bíblia era perfeitamente viável abrigar todas aquelas espécies, sem contar que o design da arca é algo que espanta os mais experimentados engenheiros navais, pois possui uma forma estável e resistente. Sem contar que os animais possuem um instinto de sobrevivência, conseguem migrar para regiões distantes e hibernar por meses, logo não precisam ser alimentadas. Então pensei: até que não é uma coisa assim tão absurda. E se desse algo errado, Deus tava lá pra dar um apoio.

Hoje, eu tenho uma versão mais simbólica para o que aconteceu com a Arca de Noé, algo que nem desacredita, mas também não explica, vai ser legal...garanto.

E viu o Senhor que a maldade do homem se multiplicara sobre a terra e que toda a imaginação dos pensamentos de seu coração era só má continuamente.
Então arrependeu-se o Senhor de haver feito o homem sobre a terra e pesou-lhe em seu coração.
E disse o Senhor: Destruirei o homem que criei de sobre a face da terra, desde o homem até ao animal, até ao réptil, e até à ave dos céus; porque me arrependo de os haver feito.

Gênesis 6:5-7

Amadurecimento e destruição.

Veja você que Deus se arrependeu e decidiu passar uma borracha na sua criação, pois fazendo isso Deus iria eliminar a maldade da face da Terra. Essa maldade se consolidou com o desenvolvimento de uma humanidade que passou a usufruir da natureza e dos prazeres sem se importar com mais nada. Deus pensou: tem algo errado aqui... vou destruir esse incômodo antes que fique pior. Essa fase eu entendo como um ponto de amadurecimento, a humanidade ou o homem alcançou um clímax de desenvolvimento que não comporta mais continuidade - ele se tornou autônomo. Essa autonomia é vista como um mal a ser extirpado, o que nos permite relacionar as ideias de amadurecimento e morte, algo comum no ciclo vital.

Tudo estava perdido até que Deus acha Noé, um homem que lhe agrada. Deus lhe passa as coordenadas para construir a arca e diz que realizará um "backup" de todos os seres viventes, para depois realizar uma formatação do planeta. Coisa simples, mas que toma a vida inteira de Noé. Depois de trabalhar anos, desacreditado por todos, Deus anuncia a destruição.. os animais milagrosamente aparecem e assim tem inicio o processo de morte do planeta pelas águas do dilúvio.

Casais nitrogenados

Quando o cheiro da tempestade varreu a Terra todos os animais se uniram em casais e adentraram a Arca de Noé, lá estariam a salvo e dariam início a uma nova vida. O que isso lhe parece? Hoje chamamos isso de DNA, aquele código bioquímico com vários "pares" que determinam absolutamente todas as características da vida. Este código complexo se forma no encontro do óvulo com o espermatozoide e neste momento decisivo cada cadeia se combina ou "encontra" formando a matriz que dará inicio a um novo indivíduo. Agora, a Bíblia conta essa história com muito mais poesia você não acha? Eu prefiro Noé à ácido desoxirribonucleico.

As águas possuem uma vasta simbologia, dentre elas o ctônico feminino, o ventre que destrói e que doa vida. Antes da criação o Espírito de Deus "pairava sobre a face das águas", e até a teoria mais "cientifica" propõe que a vida teve origem em um "oceano primordial" de aminoácidos. E lá estava a arca, flutuando sobre as ondas destruidoras. O óvulo fertilizado no útero materno nada mais é que o germe de uma nova vida, algo que prenuncia, necessariamente, a destruição do antigo - dos pais. Aqui poderíamos falar de Édipo, Zeus, Cronos e todos os conflitos de gerações que ilustram esse belo quadro - a sucessão do antigo pelo novo.

O tempo do novo

Quarenta dias e quarenta noites Noé suportou as águas do dilúvio. Quarenta é um número que simboliza um período de privação que antecede o surgimento do novo. Moisés passou quarenta dias em Horebe para receber as tábuas da Lei, Israel passou quarenta anos no deserto para encontrar a Terra prometida e Jesus passou quarenta dias no deserto antes de iniciar seu ministério. Isso simboliza o tempo necessário para que a destruição do velho se complete, enquanto o novo está preservado, apenas aguardando o momento de se revelar. Podemos perceber novamente a ambiguidade por trás das águas, pois as ondas que antes destruíram toda a vida na Terra, agora embalam carinhosamente a Arca.

E abençoou Deus a Noé e a seus filhos, e disse-lhes: Frutificai e multiplicai-vos e enchei a terra.

Gênesis 9:1

Bonito não?

Um dia descobriremos que tudo que criamos será apagado para que uma nova história se escreva e o que nos parece novo, não é tão novo assim.



Comentários

  1. É, meu amigo... aqueles anos de "UNAEV" não foram em vão... não mesmo...

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  2. Parabéns, não compreendi muito bem, mas achei muito interessante seu ponto de vista.

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