O último teste - histórias que nos ajudam a encontrar o caminho

Toda trilha tem seu cão brother

Este conto está no Mahabharata, no livro da Grande Jornada. Este relato contempla a subida do Himalaia para buscar o céu de Indra.

"Os cinco irmãos, com Draupadi formado o sexto, e um cão formando o sétimo, partiram em sua jornada."

Como toda boa história de peregrinações, sempre existe um cachorro que acompanha a equipe incansavelmente por todas as quebradas da viagem. Após todos os companheiros caírem pelo caminho, Yudistira segue com seu cão em busca do céu de Indra e sua prova final seria justamente decidida pelo destino do pobre animal. 

“Shakra disse, ‘Tu verás os teus irmãos no Céu. Eles o alcançaram antes de ti. De fato, tu verás todos eles lá, com Krishnâ. Não te entregues à aflição, ó principal dos Bharatas. Tendo abandonado os seus corpos humanos eles foram para lá, ó chefe da linhagem de Bharata. Com relação a ti está ordenado que tu deves ir para lá neste mesmo corpo teu’.

“Yudhishthira disse, ‘Este cão, ó senhor do Passado e do Presente, é muitíssimo devotado a mim. Ele deve vir comigo. O meu coração está cheio de compaixão por ele’.

“Shakra disse, ‘Imortalidade e uma condição igual à minha, ó rei, prosperidade se estendendo em todas as direções, e grande sucesso, e todas as felicidades do Céu, tu ganhaste hoje. Rejeita esse cão. Não haverá crueldade nisso’.

“Yudhishthira disse, ‘Ó tu de mil olhos, ó tu de comportamento justo, é extremamente difícil para alguém que é de comportamento honrado cometer um ato que é injusto. Eu não desejo aquela união com a prosperidade por causa da qual eu tenha que rejeitar alguém que é dedicado a mim’.

“Indra disse, ‘Não há lugar no Céu para pessoas com cães. Além disso, as (divindades chamadas) Krodhavasas tiram todos os méritos de tais pessoas. Refletindo sobre isso, age, ó rei Yudhishthira o justo. Abandona esse cachorro. Não há crueldade nisso’.

Neste momento Yudistira é colocado diante do dilema de ter que abandonar seu fiel companheiro de viagem para entrar no céu, pois, segundo Indra, não há lugar no céu para "pessoas com cães". Qual seria a sua resposta? O que você faria diante desse impasse? Estamos falando de uma longa viagem, encontrar o tão sonhado paraíso está ao seu alcance, basta falar sim e abandonar um cão. Lembrando que o próprio deus está te aconselhando a abandonar o cachorro. Isso me lembra daquele desenho Caverna do Dragão, quando o grupo finalmente encontra o caminho de volta, o pequeno unicórnio se coloca como um dilema final que os impede de retornar para casa.

Yudhishthira disse, ‘É dito que o abandono de alguém que é devotado é infinitamente pecaminoso. Isso é igual ao pecado que alguém atrai sobre si por matar um brâmane. Por isso, ó grande Indra, eu não abandonarei esse cão hoje pelo desejo da minha felicidade. Exatamente este é meu voto seguido firmemente: isto é, que eu nunca abandonarei uma pessoa que está amedrontada, nem alguém que é devotado a mim, nem alguém que procura minha proteção, dizendo que está desamparado, nem alguém que está aflito, nem alguém que vem até mim, nem alguém que é fraco em se proteger, nem alguém que deseja viver. Eu nunca abandonarei tal pessoa até a minha própria vida estar no fim’.

Yudistira diz não. Entre o céu e o cachorro, ele prefere ficar com o cachorro e, assim, não abandona o companheiro de viagem. Quem diria que aquele cãozinho que os acompanhou desde o início da viagem iria cumprir um papel tão dramático no fim da trama?

Indra insiste:

"Por que estás tão entorpecido? Tu renunciaste a tudo. Por que então tu não renuncias a esse cão?"

A viagem não foi fácil e o que está em jogo é o acesso ao céu, mas nem isso coloca em questão os princípios de Yudistira. 

Vaisampayana continuou: “Ouvindo essas palavras do rei Yudhishthira o justo, (o cão se transformou no) Deus da Justiça, que, bem satisfeito, disse estas palavras para ele em uma voz gentil repleta de louvor.

"Dharma disse: ‘Tu és bem-nascido, ó rei dos reis, e possuidor da inteligência e da boa conduta de Pandu. Tu tens compaixão por todas as criaturas, ó Bharata, da qual este é um exemplo claro. Antigamente, ó filho, tu foste uma vez examinado por mim nas florestas de Dwaita, onde os teus irmãos de grande coragem encontraram com (uma aparência de) morte. Desconsiderando os teus irmãos Bhima e Arjuna, tu desejaste a revivificação de Nakula por causa do teu desejo de fazer o bem para a tua madrasta. Na presente ocasião, considerando o cão como devotado a ti, tu renunciaste ao próprio carro dos celestiais em vez de renunciar a ele. Por isso, ó rei, não há ninguém no Céu que seja igual a ti. Por isso, ó Bharata, regiões de felicidade inesgotável são tuas. Tu as ganhaste, ó chefe dos Bharatas, e tua é uma meta divina e excelente’.

Este era o último teste, pois se Yudistira desejasse mais o céu do que o bem de seu fiel companheiro de viagem, ele não seria digno de entrar no céu. Esta história coloca em questão a importância de não abrirmos mão de nossos princípios, nem mesmo diante da realização de nossos mais acalentados anseios, nem diante da pressão do deuses. Quantas vezes passamos por testes assim? Justo agora!? Pensamos e pensamos... as vezes não há tempo para pensar e ninguém está olhando. Esses testes normalmente acontecem no alto da montanha, um pouco antes dos nossos sonhos se realizarem - são o último teste.    

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