Postagens

Mostrando postagens de outubro, 2011

Canto XV - Sonetos para amar o amor

Sete anos de pastor Jacó servia Labão, pai de Raquel, serrana e bela; Mas não servia ao pai, servia a ela, E a ela só por prêmio pretendia. Os dias na esperança de um só dia Passava, contentando-se com vê-la; Porém o pai, usando de cautela, Em lugar de Raquel lhe deu a Lia. Vendo o triste pastor que com enganos Assim lhe era negada a sua pastora, Como se a não tivera merecida, Começou a servir mais sete anos, Dizendo: "Mais servira, se não fora Para tão longo amor tão curta vida". Este soneto de Camões é um deleite para aqueles que sentem a vida passar vagarosamente, esperando a pessoa amada. Aos "trancos e barrancos", enganando e sendo enganado... o importante é reconhecer, assim como Jacó, o que realmente importa nessa vida.

Para meu rouxinol esfomeado

TENHO fome de tua boca, de tua voz, de teu pêlo, e pelas ruas vou sem nutrir-me, calado, não me sustenta o pão, a aurora me desequilibra, busco o som líquido de teus pés no dia. Estou faminto de teu riso resvalado, de tuas mãos cor de furioso celeiro, tenho fome da pálida pedra de tuas unhas, quero comer tua pele como uma intacta amêndoa. Quero comer o raio queimado em tua beleza, o nariz soberano do arrogante rosto, quero comer a sombra fugaz de tuas pestanas e faminto venho e vou olfateando o crepúsculo buscando-te, buscando teu coração ardente como um puma na solidão de Quitratúe. Pablo Neruda

O amor é truculência.

Depois de cunhar a expressão “vegetariano não praticante” comecei a refletir sobre o vegetarianismo(é assim que se escreve?), pensando nas críticas ao manejo de animais para o abate e no nosso distanciamento, enquanto consumidores, dos seres que participam de nossa dieta. Eu acredito que nosso distanciamento do momento do sacrifício nos coloca em uma posição artificial frente a nossas necessidades mais básicas, comprometendo nossa relação com os animais que consumimos e com a vida que deles tiramos. Nossa aversão ao sacrifício, à morte, ao sangue, se relaciona ao fato de não nos interessarmos pelos bois que pastam tranquilamente em alguma fazenda perdida no interior do país, ou mesmo aqueles bezerros que passam todo o tempo em cativeiro apenas engordando para produzirem bifes mais macios e suculentos. Quando a morte deixa nosso horizonte, a maneira como valorizamos e sentimos nossas vidas se amortece, vigorando uma espécie de astenia moral que repudia os meios, acolhendo os fins. Alcan

A namorada

Havia um muro alto entre nossas casas. Difícil de mandar recado pra ela. Não havia e-mail.O pai era uma onça. A gente amarrava o bilhete numa pedra presa por um cordão e pinchava a pedra no quintal da casa dela. Se a namorada respondesse pela mesma pedra era uma glória! Mas por vezes o bilhete enganchava por entre os galhos da goiabeira. E então era agonia. No tempo do onça era assim. Manoel de Barros

Ao me dar Você, deu-me Eu

Quando o Le Traître foi por fim publicado, tornei-me consciente de novo do que eu lhe devia: você deu tudo de si para me ajudar a me tornar eu mesmo. A dedicatória que escrevi no seu exemplar diz: “A você, Kay, que, ao me dar Você, deu-me Eu”. Carta a D. - André Gorz O universo conhecido tem um amante completo e que é o maior dos poetas. Ele absorve uma paixão eterna e é indiferente a que acaso vem a ocorrer e que possível contingência de ventura ou desventura e persuade dia a dia hora a hora seu delicioso pagamento. O que perturba e choca os outros é o combustível para seu progresso ardente rumo ao contato e à felicidade amorosa. Outras proporções da recepção de prazer ficam menores diante das suas. Tudo que vem dos céus ou das alturas está conectado nele através da visão do amanhecer ou de uma cena dos bosques de inverno ou da presença de crianças brincando ou de seu braço em volta do pescoço de um homem ou de uma mulher. Acima de tudo seu amor tem lazer e expansão.... ele deixa espa

Amabilíssimo - Caco Galhardo

Imagem

O famoso Tan Hong Ming

E aí o vídeo fez o maior sucesso. Todo mundo se identifica com criancinhas falando de amor porque todo mundo é criança quando está apaixonado. Ao longo da vida, continuam os mesmos o mistério da erupção do sentimento por alguém (que a gente tenta explicar "ah, porque ela usa rabo de cavalo e brinco") e o segredo - no fundo, é segredo mesmo o motivo que nos ata a alguém e faz com que tudo além do jantar romântico que eu desejo perca a importância. O cerne da paixão é insondável, é um ponto cego em terras irracionais. Nos vemos, de repente, tomados por uma loucura que nos faz ridículos! Não é que eu fiquei louco, mas uma loucura me tomou e, agora, sou seu escravo. Descobrir que o outro está louco também (por mim!) é a maravilha horrorosa desse mistério. Estamos num mesmo barco, frágil barco, conduzido por ondas indecifráveis. Até quando? Para onde? E, quando o outro ameaça ir embora, ou, de fato, vai embora, o desespero é equivalente ao de um bebê que, na ausência do primeiro a

O Mapa da Ternura

Imagem
Este mapa foi criado pela escritora Madeleine de Scudéry, no séulo XVII, em seu romance Clélia. E fornecida por nosso ilustre seguidor Santiago.

DEFINIÇÃO DO AMOR ROMANCE

Mandai-me, Senhores, hoje, que em breves rasgos descreva do Amor a ilustre prosápia, e de Cupido as proezas. Dizem que da clara escuma, dizem que do mar nascera, que pegam debaixo d’água as armas, que Amor carrega. Outros, que fora ferreiro seu pai, onde Vênus bela serviu de bigorna, em que malhava com grã destreza. Que a dois assopros lhe fez o fole inchar de maneira, que nele o fogo acendia, nela aguava a ferramenta. Nada disto é, nem se ignora, que o Amor é fogo, e bem era tivesse por berço as chamas se é raio nas aparências. Este se chama Monarca, ou Semideus se nomeia, cujo céu são esperanças, cujo inferno são ausências. Um Rei, que mares domina, Um Rei, o mundo sopeia, sem mais tesouro que um arco, sem mais arma que uma seta. O arco talvez de pipa, a seta talvez de esteira, despido como um maroto, cego como uma toupeira. Um maltrapilho, um ninguém, que anda hoje nestas eras com o cu à mostra, jogando com todos a cabra-cega. Tapando os olhos da cara, por deixar o outro alerta, por

Três variantes sobre um tema eterno

Inscrição o poeta inscreve no cristal vivo dos teus olhos a breve palavra amor o vento vem e apaga (11-10-93) Amor em tempos de crise para José Paulo Paes o amor eterno - aquele que durava a vida inteira e ainda pedia mais tempo para amar - foi despedido ! (20-03-99) Pedaços pedaços de ti ficaram brilhando em meus olhos (24-01-92) Roberto de Oliveira Brandão (in:Revista de Literatura Brasileira Teresa, nº 1, 1º semestre de 2000)

Pois é

"Casar-se significa abdicar de metade dos direitos e duplicar os deveres. Casar-se significa fazer o possível para sentir repugnância um do outro. Casamentos felizes são notoriamente raros." - Arthur Schopenhauer, em a Arte de Insultar Dado que um encontro amoroso verdadeiro é raro, os casamentos deveriam ser raros também, mas, ao contrário, abundam. O que acontece, na maior parte das vezes, é que os amantes enclausuram-se num monólogo de fantasias. O outro é apenas suporte da fantasia, que é o que verdadeiramente amamos. E, como suporte, precisa estar aprisionado para garantir a perpetuação da ilusão. Se fugir, cairei em desengano, perderei o sonho em torno do qual havia organizado a minha vida e ficarei vazio, com toda a dor que isso implica. Na medida em que o outro se revela desencaixado de nosso ideal, vale dizer, como um suporte pouco eficiente, nos frustramos, cobramos insistentemente: "você não me corresponde!", "no começo não era assim!", infinita

Olhos nos olhos

Todos já devem ter ouvido falar em “amor a primeira vista” e que os “olhos são a janela da alma”, mas não conseguimos perceber, logo de cara, uma relação entre estes dois ditados. Isso porque remetem a conceitos antigos de como nos formamos e de como nos relacionamos com o mundo, conceitos estes muito avessos a nossa atual maneira de dizer a realidade e talvez por isso expressem melhor o que temos em nossos corações. “Mas quando perde as suas asas, decai através dos espaços infinitos até se consorciar a um sólido qualquer, e ai estabelece seu pouso.” Fédro Para Platão a alma é imortal e no seu início compartilhava junto aos deuses da contemplação da Idéia Eterna. Nossa alma é definida no diálogo Fédro como um carro levado por dois cavalos alados, um perfeito, belo, dócil, e outro feio, torto e desobediente. Quando nos dirigimos para a contemplação da Ideia Eterna somos interrompidos pela dificuldade de guiar, instaurando-se uma batalha entre cocheiro e cavalo imperfeito para retoma