Por dois fios
A folha está viva |
Às
vezes uma foto é o resultado de um questionamento conceitual, de uma ideia. Às vezes
é a imagem que se torna um pensamento, semelhante àquela gota de orvalho que
delicadamente se coloca na pontinha da folha sonolenta.
Digo-lhes
isto porque uma foto veia a me dizer coisas, alvoroçando alguns pensamentos que
me ocupavam desde esta última sexta. A foto flagra uma folha suspensa por duas
teias de aranha e o que me motivou a congelar esta cena foi uma curiosidade
meramente estética. Quando fui pensar em um nome para colocar-lhe o título, percebo que a imagem não queria se deixar nomear, ela resistiu e no fim ainda me
provocou, deixou uma pergunta: o que é a vida?
Nesta
sexta eu participei de um grupo de estudos sobre filosofia e o que podemos
chamar de “pensamento oriental”. Estamos debruçados sobre um texto zen antigo cujo título é “procurando o boi” e ilustra uma série de quadros que acompanham o
caminho espiritual do zen budismo, o caminho da iluminação. O engraçado de
possuirmos este objeto de estudo é que ele se torna menos passível de reflexão à medida que nos aproximamos de seu cerne, nos afastado de um trabalho estritamente argumentativo, fato que incomoda até mesmo o palestrante, pois o encaminhamento
das ideias conduz a uma verdade que não advém de nossa reflexão, mas de um
“encontro” que eu acho místico. Saio desses encontros com a sensação de que
estou me aproximando da velha filosofia, aquela que Heráclito escondia dentro
dos templos.
A
palestra havia iniciado com a interpretação heideggeriana do tempo e de como
ele realizou uma “unificação” entre ser e tempo colocando o dasein como
um ser para morte. Desta forma tempo não seria uma “forma pura” ou uma dimensão
de nossa subjetividade, mas algo que nos transpassa e constitui, o tempo é tudo
o que existe, pois tudo é impermanente. Com isso o tempo vem habitar nossa ontologia, assim como o nada (isso é o que eu entendi). Esta exposição ainda paira no horizonte quando
retornamos ao conto zen do camponês procurando seu boi. A primeira frase que
encontramos é “Nunca se perdeu, o que precisamos procurar? Isso é muito
cômico porque os quadros acompanham o camponês também perdido a procura de seu
animal, do momento em que ele procura vestígios até o encontro.
Após
um oitavo quadro vazio a natureza ressurge através de um rio e uma árvore no nono
quadro, e o décimo quadro encerra o conto mostrando um iluminado inusitado, com
a pancinha de fora, rindo no meio de conversa animada. Nada de camponês ou boi,
pois, como toda boa história de iluminação, o final é meio sem pé nem
cabeça. O professor contou ainda uma anedota de um monge que, passeando por uma
vila, contempla um homem fazendo seu pedido ao açougueiro. O homem pede a
melhor carne de porco selvagem que ele tiver disponível, sendo que o açougueiro
responde: este pedido é descabido, porque em meu estabelecimento toda carne é
da melhor qualidade. Ouvindo este comentário o monge alcança a iluminação.
Agora,
veja você que toda essa aula caberia dentro daquela folha que nossa ilustre
aranha didaticamente suspendeu em apoio a nós, seres ocupadíssimos. Nós
normalmente pensamos que uma folha cai quando morre, desgrudando da sua doadora
de vida, a árvore, mas não percebemos que toda a vida se passa nessa fração de
segundo entre o desgrudar e o chão, pois tudo nasce e morre. Deste ponto de
vista estamos todos mortos, apenas não alcançamos o chão ainda. Qual é a ilusão
do camponês ou do metafísico? É se pensar vivo por estar grudado ao galho da
árvore, transformando este momento efêmero em uma tal essência eterna. Não
podemos pensar que a morte está apenas no outro, naquele que cai em direção ao
nada, a morte está em todos nós.
Superestimamos
nossa subjetividade porque ela representa essa árvore doadora de vida, de
sentido. Mas se nos lembrarmos do conto do camponês e da primeira frase começamos
a sentir um desconforto, porque nos esforçamos procurando algo que, para nosso
constrangimento, nunca perdemos... a vida é este instante, nada mais.
Quem estiver interessado no texto o camponês procurando o boi, mande um e-mail que eu envio anexado. Ele está em inglês.
Quem estiver interessado no texto o camponês procurando o boi, mande um e-mail que eu envio anexado. Ele está em inglês.
Manda pro meu e-mail, aê!
ResponderExcluirCaramba q folha densa, hein...