Tardes eternas

Você quer ficar comigo?

Lembro-me dos dias em que comecei a estudar, estava ansioso pra isso, ficava perturbando minha mãe para ir pra escola, afinal todos os meus amigos iam! Eu queria também.

A enorme alameda arborizada que separava minha casa da escola (devia ter uns 300 mentros..rs) era o palco das brincadeiras de pega-pega, das corridas e das caminhadas diárias. Foi ali que me contaram que a Carla gostava de mim, mas eu não gostava dela. Ela tinha uma pele branca e um cabelo liso e escuro cortado chanelzinho, chorava todo dia antes da aula com saudades da mãe. Eu gostava da Fernanda e o máximo foi o dia em que voltei da escola até a rua de casa de mão dadas com ela.

Isso foi o máximo de romance que tive na infância. Minha pacata vida ia muito bem, pensando em como fazer armas maiores para brincar de guerra, correndo pra lá e pra cá, visitando amigos, jogando vídeo game, vendo peixinhos no poço escondido em uma rua perto da alameda Bahia - cuspia na água para eles se reunirem. É tudo isso ia bem até encontrar a Renata, uau que loira! Ela era loira, algo que não era comum na minha realidade. Alguns amigos comentavam, enquanto brincávamos no pátio da igreja antes da missa, que gostavam dela e que era a menina mais bonita da escola.

Ela estava na minha sala na quinta série e lá fui eu jogar todo o meu charme, o que consistia em oferecer halls e sentar do lado dela. Eu acho que acabei por sentar ao lado dela por acaso, estava bagunçando em algum canto da sala e a professora me mudou pra frente, junto com os cdfs, entre eles a Renata. Um dia pedi para uma amiga perguntar se ela queria ficar comigo, depois do recreio ela voltou e me disse que não ia rolar. Eu não sabia o que estava acontecendo, fiquei mal e aos poucos isso ia me incomodando não apenas durante a aula, mas antes de dormir, durante as conversas com os amigos e para meu espanto, descobri o que costumávamos chamar de amor - estou a fim de fulana. Depois do não, quilos de Legião Urbana pra rebater a ressaca - pela primeira vez na vida fiquei viciado numa banda.

Estar com uma garota nessa época era algo diferente, misterioso. A Renata era uma garota misteriosa, ela rolava a caneta na mão e fazia um barulho que eu não conseguia reproduzir, até eu conhecer a Lilian, que pegou a caneta da minha mão e disse: isso faz barulho porque ela usa anel seu burro! tá vendo? A Lilian também chamava atenção e usava um short listrado preto e branco que fez história na sexta série, por uma feliz coincidência ela sentava atrás da Renata.

Assistindo Moonrise Kingdom, de Wes Anderson, consegui relembrar esse lirismo do amor adolescente e das amizades sem interesses. As crianças possuem uma sensatez que falta aos adultos e valorizam as coisas certas, isso é representado no filme quando os escoteiros apoiam o amigo apaixonado, em detrimento da opinião dos adultos que condenam a fuga do casal protagonista. Nesse filme o amor é encarnado pelas crianças, em fuga, seguindo uma trilha apagada pela modernidade.

Lembro dos últimos dias da Renata na minha sala. Ela me pediu pra sentar do lado dela e isso, se eu não me engano, aconteceu no início da sétima série. Ela ia mudar pra outra escola e eu estava triste porque parecíamos mais próximos e justo naquele momento ela ia embora. Esse pedido: "senta aqui do meu lado" trouxe uma alegria que poucas coisas conseguiriam fazer frente. No último dia dela fomos assistir um jogo de futebol no Casof, era uma tarde meio nublada e ela estava arrumada, notei isso porque não estava acostumado a ver garotas arrumadas. Na hora que ela foi embora eu a acompanhei até o ponto e me despedi, o ônibus chegou rápido, o que me deixou atordoado. Voltando para a quadra fiquei pensando muitas coisas, deveria ter tentado beijá-la! Pensei que se aquele ônibus demorasse um pouco mais, tipo uma eternidade, eu nem notaria.

E foi assim, uma tarde inesquecível.

Você pode perguntar: o que mudou? O que você aprendeu?
Digo-lhe: nada.
Pra falar a verdade aprendi algo, agora eu perguntaria: Você pode pegar o próximo ônibus?

     

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