Porque não fico triste por envelhecer


O tempo voa.

Essa é aquela frase que gostamos de falar suspirando, naqueles momentos em que paramos o "modo automático" e olhamos a janela da vida. Aí nossos amigos nos olham e dizem: Pô... parece que foi ontem! Ficamos com o espirito murcho, começamos a pensar que um dia tudo vai acabar e que vamos envelhecer... um dia seremos aqueles velhinhos que andam devagar e jogam comida para os pombos.

Por que toda essa tristeza com o pensar no tempo? Acho que é porque ligamos a ideia de tempo com o fim. Nós queremos viver para sempre! Cientistas estudam maneiras de prolongar a vida, somos bombardeados por dietas, exercícios, receitas de como viver mais e melhor. Queremos fazer um backup de nossa consciência em um banco de dados capaz de nos manter "on line" para sempre. Temos uma fixação pela juventude eterna e o fim é uma espécie de tabu, pois a morte é algo horrível em todos os sentidos, pois a morte, coitada, não não possui lado bom.

Nós vemos a lua morrer todos os meses, as plantas perderem suas folhas no outono, ninhos vazios, secas e frio, todas as coisas se alternam e ainda sim queremos durar para sempre. Eu acredito este apego na "duração" é fruto de uma crença que vincula realidade e visibilidade, mas aqui eu me pergunto: e as pessoas e coisas que não estão mais aqui, elas não existem mais? Acreditar nisso seria acreditar que a lua quando minguante não influencia nossos mares, ou que aquela foto esquecida na gaveta não pode fazer nossos corações tremerem e que aquele cheiro de chuva não nos lembre da nossa mais remota infância.

Essa recusa da morte nos cega para o invisível que nos sustenta, nos impede de reconhecer a presença sutil e fundamental daqueles que nos amam, ainda que do outro lado do horizonte visível. Essa ansiedade mortal que nos invade por todos os poros, a solidão e a insegurança que sentimos diante da amplidão do desconhecido é o preço que pagamos por uma existência manca, ignorante do ritmo cósmico. Quando abrimos mão dessa ilusão de permanência tudo começa a caminhar mansamente e até as árvores nos contam suas historias, as coisas ganham vida, porque sem a morte somos surdos para o invisível.

As trutas retornam do mar para seu rio natal, enfrentam correntes e obstáculos, são presas fáceis para ursos e tudo isso para desovar e morrer. Como eles escolhem o rio certo, dentre as centenas de afluentes, ou o por que desse masoquismo todo, são perguntas que não conseguimos responder, a isso chamamos "o mistério da vida". Eu diria que a truta e o rio nunca se separaram. Este "retorno" que parece aos nossos olhos uma via crucis é apenas um momento de um ciclo eterno que em última instância não escolhemos. Este percurso está inscrito em nossa alma e se por acaso nos sentimos perdidos diante das bifurcações que a vida nos apresenta, isso se deve ao grau de desconhecimento de nós mesmos, não às incertezas do caminho.

Podemos chamar a vida de tragédia? Eu prefiro chamá-la "dança eterna", pois o que nós chamamos morte é apenas um momento, um passo atrás, e como todos que dançam sabem, meu passo atrás é o passo adiante de minha companheira... trocando em miúdos, a minha consumação é a vida das pessoas que amo.

Um brinde à vida! Desejo que vocês meus amores... se esbaldem!

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