A psicanálise sem uma Weltanschauung.

Introdução

A palavra Weltanschauung localizada na conferência nº35 da obra Freudiana faz alusão a um conceito advindo da teoria da linguística alemã do século XIX que procura explicar a diferentes concepções de realidade de acordo com uma estrutura cultural determinada pela língua. Uma Weltanschauung seria uma estrutura que proporciona ao indivíduo um solo sobre o qual se constituir e valorar, uma espécie de lente pela qual o singular contemplaria a múltiplo, organizando-o em uma experiência possível de ser apreendida pelo humano.

Posteriormente, a ideia de Weltanschauung assumiu um papel mais concreto, alinhado aos diversos movimentos ideológicos que buscavam reordenar as estruturas sociais do início do século XX. Esta é a ideia de Weltanschauung que Freud utilizará em sua conferência, com o intuito de posicionar a psicanálise dentro deste momento histórico, o que ele faz alinhando sua teoria com a Weltanschauung científica.

Os desdobramentos da história não permitiram, porém, à psicanálise um lugar de repouso. Atualmente a psicanálise permanece em uma posição controversa, não é reconhecida como ciência, e deste lugar de inquietação e exílio, a teoria psicanalítica conseguiu vislumbrar novos caminhos e conceitos que enriquecem a experiência humana.

Gostaria de destacar este caráter gauche da psicanálise como uma qualidade importante para nosso momento contemporâneo, agora que todos vamos, aos poucos, nos encontrando sem um berço ideológico para nos refugiar.

A ideia de Weltanschauung na conferência nº35.

“Em minha opinião, a Weltanschauung é uma construção intelectual que soluciona todos os problemas de nossa existência, uniformemente, com base em uma hipótese superior dominante, a qual, por conseguinte, não deixa nenhuma pergunta sem resposta e na qual tudo o que nos interessa encontra seu lugar fixo. Facilmente se compreenderá que a posse de uma Weltanschauung desse tipo situa-se entre os desejos ideais dos seres humanos. Acreditando-se nela, pode-se sentir segurança na vida, pode-se saber o que se procura alcançar e como se pode lidar com as emoções e interesses próprios da maneira apropriada.”1

Esse desejo de possuir uma Weltanschauung é um desejo de ordenamento que nos permite valorar o mundo, os outros e nós mesmos, protegendo nosso frágil Eu diante das ameaças e forças que habitam a realidade e o próprio indivíduo. Weltanschauung é uma palavra alemã que poderia ser traduzida como “visão de mundo” e é, como Freud definiu acima, um conjunto de ideais
que buscam solucionar “todos os problemas de nossa existência”. Assim, ao aderir a uma Weltanschauung estaríamos aceitando valores e conceitos que respondem à nossas questões mais importantes e, junto com tais respostas, nos enquadramos em um conjunto de princípios que nos organizam internamente e nos conduzem no convívio em sociedade. A finalidade de uma Weltanschauung, no contexto da conferência nº35, é nos assegurar um mínimo de certeza que seja capaz de redimir nossa frágil constituição humana do pathos da multiplicidade de frustrações que experimentamos quando avançamos em direção à realidade.

Em sua conferência nº35, Freud se posiciona a favor de uma Weltanschauung científica e contra a religiosa, comentando brevemente a posição anarquista e marxista. Para Freud, a psicanálise não é capaz de produzir uma Weltanschauung, o que o fez aderir à Weltanschauung científica, já que na sua época a ciência estava em forte expansão e era capaz de responder às demandas por certezas, ainda que em caráter de projeto, da virada do XIX para o século XX. A incapacidade da psicanálise em fornecer respostas para todas as perguntas pode parecer estranha ao senso comum, afinal a expressão “Freud explica” sempre aparece quando não entendemos algo que nos acontece no dia a dia, porém, é interessante que a psicanálise tenha se negado esse papel e que agora permanece à distância do que foi o campo de batalhas ideológico do século XX. Este posicionamento à margem de uma Weltanschauung será o foco deste trabalho.

“Na qualidade de ciência especializada, ramo da psicologia – psicologia profunda, ou psicologia do inconsciente -, ela é praticamente incapaz de construir por si mesma uma Weltanschauung: tem de aceitar uma Weltanschauung científica.”2

Diante desta “insuficiência” da psicanálise, Freud adere à Weltanschauung científica e elabora uma larga crítica à religião, que ele pensava ser a principal inimiga do espírito científico da época. Hoje me parece mais claro que esse conflito de “visões de mundo” está em franco esgotamento e que a insuficiência da psicanálise acaba por se tornar sua maior virtude, pois ela conseguiu elaborar um discurso que se faz na incompletude, até mesmo na falta de um objeto, cujo exemplo maior seria o estudo do inconsciente.

Quando Freud critica a Weltanschauung religiosa ele descobre elementos que esclarecem essa dinâmica de nossa aderência a um conjunto de crenças, o que poderia ser muito bem aplicado as demais visões de mundo, inclusive à Weltanschauung científica. Acredito que devemos pensar sobre esta necessidade de uma resposta total, utilizando esta conferência como um guia para discutir como a Weltanschauung científica também tem se revelado insuficiente para lidar com a complexidade de nossa contemporaneidade.

A crítica como resgate simbólico do religioso.

“Um homem religioso imagina a criação do universo assim como imagina sua própria origem.”3

Freud realiza sua análise genética da religião para provar que esta é apenas um desdobramento do fato humano. As cosmogonias antigas, assim como a cristã, seriam metáforas do mundo infantil e seus personagens e Deus seria o Pai que cuida da criança enquanto ela se vê frágil, exposta aos perigos da existência. Deus, na figura do Pai seria também quem estipula as regras e ameaças para que a criança se integre no convívio social. A cosmogonia religiosa é desenhada como um quadro do inconsciente infantil, capaz de organizar e dar sentido a realidade o que lhe conferiu enormes poderes sobre os seres humanos, inclusive o poder de regrar o comportamento e os costumes.

A análise genética de Freud desmistifica a religião, tornando-a humana. Aos olhos do fundador da psicanálise, esta análise torna claro que uma Weltanschauung religiosa não toca um plano transcendental, não possuí uma origem em uma inspiração sagrada e, logo, seria muito melhor que a abandonássemos em prol de uma Weltanschauung científica, por ser mais alinhada com o fato humano e menos distorcida por ilusões infantis. Essa crítica me parece coerente com o período histórico que Freud vivenciou e todas as patologias que floresciam pelo habitat altamente regrado da era vitoriana do século XIX, aqui, os casos de histeria eram frequentes e mobilizavam a comunidade científica da época. Freud entendia que o comportamento religioso impunha um controle muito rigoroso do comportamento, negligenciando a complexidade da vida libidinal e dos fenômenos do inconsciente, usando como poder coercitivo a ilusão de uma punição divina no pós-morte.

Se por um lado a análise genética de Freud desmistifica a religião, por outro lhe confere um valor de verdade quando descobre sua origem no próprio desenvolvimento do mundo subjetivo da criança. Hoje, alguns cientistas continuam combatendo as religiões por acreditarem ser elas apenas organizações de certos grupos para manipulação das massas, um delírio coletivo que impede o progresso da humanidade. Tal ponto de vista ignora que nem todas as imagens do religioso foram forjadas pelo intelecto individual de um romancista talentoso, ou por um líder ávido por dinheiro, mas que suas cosmogonias são imemoriais e possuem estruturas que podem nos revelar verdades do inconsciente. Como o verso que inicia os contos de fadas, o inglês “once upon a time” nos lembra que os mitos e imagens do sagrado antigo expressam verdades que estão “acima” do que entendemos como tempo e a realidade do indivíduo.

Com a emergência da psicanálise, todo este universo de imagens pode ser novamente traduzido e revelado. Podemos contemplar este esforço de desenterrar imagético em Otto Rank e sua obra sobre a mitologia do herói, ou sobre a teoria Freudiana do Complexo de Édipo, certas imagens da mitologia fornecem um material rico de imagens da vida subjetiva do homem, colaborando para o entendimento das dinâmicas do inconsciente.

“If Freud had remained dependent on a neurophysiological model, he would never have been able to bring the great myths of literature alive to construct a theory of human behavior.”4

Por isso, aprecio a abordagem que privilegia uma arqueologia dos modos humanos, sem empreender uma redução do fato religioso a uma simples ilusão elaborada por um ego criativo, o que acaba limitando o enriquecimento do estudo da subjetividade humana. Sem essa característica, o Édipo permaneceria como uma figura obscura da mitologia grega e perderíamos uma ferramenta importante para compreensão do comportamento humano.

Comentando o mito de Édipo, Boccaccio escreveu em sua obra Genealogia dos deuses pagãos: “His sons scorned his disgrace, quarreled, and fought a war leading to their mutual deaths, and with Jocasta killed already by a sword, Oedipus, saddened and grieving and with one of the daughters leading the way, went to Mount Cithaeron as an exile by order of Creon. Where he went after that is unknown to me. Nonetheless, according to Valerius, the Athenians set up a temple and sacrifices to him; I do not know for what reason.5

Sem a análise Freudiana, contemplaríamos a mitologia como um tema para curiosos historiadores e seus símbolos permaneceriam mudos ao observador contemporâneo. Em uma citação de Starobinski feita por Elisabeth Roudinesco podemos perceber o quão significativo foi a leitura Freudiana do universo mítico:

“As ancient hero, Oedipus symbolizes the universality of the unconscious disguised as destiny; as a modern hero, Hamlet refers to the birth of a guilty subjectivity, during a period in which the traditional image of the Cosmos is coming undone”6

O problema da Weltanschauung religiosa repousa em uma centralidade narrativa que tenta organizar e regrar todos os aspectos da vida, e este não é uma exclusividade da religião. Quando Freud empreende uma tentativa feroz de desacreditar a religião por métodos de uma “análise genética” do comportamento humano em prol de um projeto científico de Weltanschauung ele apenas rejeita uma instituição que representa um antigo modelo de vida, o que me lembra sua tese sobre a rejeição de uma estrutura antiga, no caso, a análise da evolução do quadrúpede para a bípede e o subsequente abando no olfato como sentido preponderante para o visual. Acredito que estamos mudando nossa maneira de ver o mundo e a aversão ao religioso não é fruto, tão somente, de uma excelência da ciência, mas é resultado de uma nova postura do homem diante da experiência da vida, uma postura que valoriza mais o âmbito racional.

A Weltanshauung científica foi fundada pela elevação da consciência como instância central da epistemologia ocidental, isso se tomarmos como origem da modernidade a filosofia de Descartes. A partir daqui, o método científico avançou sobre a realidade “externa” estendendo o domínio da razão aos mais diversos campos do saber e da natureza, o que ampliou o domínio do homem sobre campos nos quais predominava o supersticioso e o mistério sagrado. Como exemplo, podemos citar o avanço da medicina que antes da era moderna era um território envolto em magia e rituais obscuros(como a sangria), mas que agora possuí legitimidade e um método reconhecidamente científico, coisa que todos reconhecem como um avanço.

Mas esse sonho de tornar a ciência uma Weltanschauung acabou por revelar efeitos devastadores, impensáveis para um observador do século XIX. Todo o potencial tecnológico que foi alavancado pelo desenvolvimento científico aplicou-se nos campos de extermínio das grandes guerras do século XX, incrementando a letalidade dos conflitos em níveis inéditos na história mundial. Aqui, o leitor pode lembrar do comentário de Freud em seu “Mal-estar na civilização” que diz ser impossível afirmar categoricamente que nossa era é superior ou inferior a outros períodos da história e que a felicidade e nossa capacidade de nos adaptar ao sofrimento são difíceis de determinar. Eu acredito que o fato de podermos destruir nosso planeta várias vezes com um simples apertar de botões nos torna diferentes de períodos anteriores da história.

O problema de uma Weltaschauung

A crença científica segundo a qual o progresso do conhecimento é “em si” benéfico e possui uma correlação imediata com um princípio de realidade, ou seja, avesso a ilusões dogmáticas, não sobreviveu à experiência prática do século XX. Normalmente, aprendemos conteúdos das ciências naturais como uma narrativa progressiva, na qual os cientistas galgaram passo a passo os vários degraus do conhecimento, para, ao final, acreditarmos que estamos no ápice do desenvolvimento científico. Contudo, observemos um exemplo extremo: uma bomba atômica. Fruto de um esforço imenso, tanto político, econômico quanto científico, seria ela o resultado do devir espontâneo do conhecimento científico? Sem pensar muito, notamos que as descobertas científicas nunca estão desconectadas do fato humano, que grandes descobertas sempre trazem em seu esteio um incremento da indústria ou da economia. Logo, quando o científico se torna uma Weltanschauug acabamos por estabelecer o racional como parâmetro para nossos valores e, assim, cristalizamos a consciência como espaço privilegiado do conhecimento. Pisamos, neste processo, tradições e limites estabelecidos pelo mundo subjetivo de civilizações inteiras no decurso de milênios e o que testemunhamos não é um espetáculo de civilidade, mas o desvelamento de um potencial destrutivo inédito na história.

A inclinação para a destruição, o que Freud denominou como pulsão de morte, floresce quando uma crença se considera suficiente para responder todas as perguntas. Assim aconteceu quando a religião católica se tornou hegemônica na idade média, tendo sido desafiada pela reforma protestante, reagiu com o estabelecimento do tribunal da inquisição e suas práticas de tortura, buscando nivelar e regrar todos os aspectos da vida social de seus seguidores. Também acompanhamos a era das revoluções e suas execuções em massa, de Robespierre a Stalin, onde uma Weltanschauung se arroga como suficiente, aniquilando a diferença e impondo um mesmo conjunto de valores para todos os indivíduos que a compõem. E, finalmente, acompanhamos a hegemonia de uma Weltanschauung científica, invalidando tudo que não seja do plano do racional e abrindo caminho para um estilo de vida que caminha para o esgotamento de todos os recursos naturais do planeta.

Acredito que o discurso psicanalítico compreendeu a pulsão de morte por estar em um lugar onde não conseguiu se consolidar como uma Weltanschauung. Quando Freud avançou suas pesquisas sobre o irracional das pulsões ele percebeu que a consciência não era tão cristalina quanto os modernos acreditavam.

“The notion of the death drive makes it possible to give a clinical explanation as to why a subject unconsciously and repeatedly places him – or herself in painful, extreme, or traumatic situations that revive for him previously lived experiences.”7

O que Freud denomina como Thanatos, ou a pulsão de morte, também se aproxima do personagem mitológico Nêmesis, pois este representa a vingança dos deuses diante da arrogância humana em tentar estabelecer para si um lugar autônomo na existência. O que os gregos chamavam hybris nada mais é do que um exagero, uma desmedida, na maneira como o humano se relaciona com sua alteridade, representado na mitologia pela natureza e pelos deuses. Todo este período que denominamos “modernidade” está marcado por esta hybris do controle tecnológico da natureza fundamentada sobre uma consciência inflada, incapaz de lidar com o irracional e o mundo do inconsciente.

Uma Weltanschauung, enquanto projeto de autonomia, sempre flertará com uma hybris, e toda a destrutividade que nos assombra é apenas um movimento de equilíbrio e de recolocação no plano do real de tudo o que suprimimos quando aderimos a uma visão de mundo pautada por uma resposta total, racional ou religiosa.

Apesar de todos os esforços da psicanálise em se vincular a uma Weltanschauung científica, ela continua em uma posição ambígua, em muitos momentos combatida pelo ambiente científico médico do qual se originou e isso é consequência do avanço da teoria freudiana sobre o terreno pantanoso do inconsciente. O esforço Freudiano pelo desvelamento do inconsciente e a consequente complexificação do lugar do consciente impediram, por seu antagonismo, a aderência da psicanálise à Weltanschauung científica.

“Scientists have always considered psychoanalysis to be a hermeneutics. Far from constructing a model of human behavior, Freudian doctrine, if you believe them, is no more than a literary system for interpreting affects and desires.”8

A Weltanschauung científica e o esgotamento da primazia da consciência.

A ciência como Weltanschauung é um grande projeto de controle do humano sobre a natureza.

“Contra o temido mundo externo o indivíduo só pode se defender por algum tipo de distanciamento, querendo realizar sozinho esta tarefa. É verdade que existe outro caminho melhor: enquanto membro da comunidade humana, e com o auxílio da técnica oriunda da ciência, proceder ao ataque à natureza, submetendo-a a vontade humana.”9

Este grande projeto de controle pode ser colocado como uma continuação de nosso projeto infantil de autonomia face o princípio de realidade e as frustrações que se instauram no percurso de amadurecimento da criança. Agora, não existe maioridade sem a constituição de uma alteridade, sem que o indivíduo se frustre em algum sentido e seja forçado a se readaptar e despertar suas potencialidades internas para deixar um confortável mundo subjetivo, marcado pela fusão com o materno, para se lançar sobre a realidade e consequentemente, se expor ao desconhecido.

O esvaziamento do plano das representações em prol da consolidação de um modelo matemático de interpretação e instauração da realidade possibilitou ao homem o controle sobre a natureza em níveis inéditos na história da civilização. Agora, nos encontramos diante da tentação de continuar estendendo os domínios do conhecimento e do controle ao preço de aumentar ainda mais nosso distanciamento dos fatos irracionais, ou podemos parar e empreender uma abertura do panorama epistemológico para além dos domínios da consciência. Isso também não seria uma tarefa fácil, pois implicaria em colocar em risco o próprio método psicanalítico, gerando uma preocupação, por parte de Freud, de que a psicanálise acabasse por se tornar um movimento místico.

Elisabeth Roudinesco reconhece que grande parte dos méritos do método Freudiano se encontram nesta inflexão de empreender uma abordagem do irracional e construir uma “metapsicologia” mais especulativa, menos formatada nos parâmetros de um positivismo científico.

“In a second period, from 1920 to 1935, with his doctrine established, he introduces doubt into the heart of psychoanalytic rationality in order ro combat the positivism that is threatening it from within.”10

Freud avançou sobre um terreno tortuoso quando decidiu por desbravar o inconsciente humano. Mas isso só foi possível, inicialmente, pela sua crença na capacidade ilimitada do método científico. Como resultado deste percurso, contemplamos verdades inconvenientes serem descobertas e lançadas ao conhecimento público, como, por exemplo, a dinâmica sexual das crianças, a atividade racional como uma instância de sublimação da libido ou a grandiosa análise dos sonhos. O que permitiu uma infiltração do quadro, até então límpido, da racionalidade humana. As conquistas da pesquisa psicanalítica apresentam muitos elementos que complexificam o ser humano, o que poderia comprometer a integridade do método científico. Isso porque sendo a consciência uma instância constituída e clivada pelo inconsciente, nenhuma verdade científica permaneceria incólume. O nosso modelo científico se constrói sobre o pressuposto cartesiano de um consciente que instaura a verdade racional e posteriormente articula a realidade, como podemos apreender pelo famoso “penso, logo existo”, sendo assim, a tarefa que a ciência se impõe enquanto Weltanschauung exige uma preponderância do consciente face aos outros planos da existência humana, tornando a teoria Freudiana em uma posição tensa frente à Weltanschauung científica.

Conclusão

E, havendo eu tirado a minha mão, me verás pelas costas; mas a minha face não se verá.”
Exodo 33:23

A marginalidade da psicanálise diante da ciência a coloca numa posição privilegiada, agora que a civilização prova de certos efeitos colaterais de seu próprio desenvolvimento. Este privilégio consiste em se posicionar em um lugar “de fora” de uma dinâmica que endureceu a subjetividade humana em torno de campos do saber centrados na consciência e em sua capacidade racional.

Quando a psicanálise se propõe discutir e estudar o inconsciente e o irracional ela está contribuindo para a recolocação do humano em um registro mais amplo, o que nos permite discutir e restaurar estruturas simbólicas antes vazias de sentido(os sonhos, os mitos), colocando em questão a crítica de um modo de vida pautado pelo racional como valor máximo, tarefa esta das mais difíceis, já que até mesmo os religiosos buscam se inserir em um contexto privilegiado pela racionalidade. As religiões em sua grande parte são úteis, e se encaixam confortavelmente nas demandas do homem contemporâneo.

O lugar desconfortável no qual a psicanálise se encontra é o mesmo lugar que possibilita vislumbrar e acenar ao que não encontrou espaço da experiência humana do real e até mesmo antever novas possibilidades e saídas para os dilemas que nos cercam. Nos dá, também, uma ideia da importância de criticarmos esta tendência do humano em se organizar em torno de grandes respostas, buscando vislumbrar o absoluto, como nos mostra o conceito de Weltanschauung e seus desdobramentos na história contemporânea.

Bibliografia

Conferência nº35 – Sigmund Freud, Edição on line disponibilizada pelo CEP
Why Psychoanalysis – Elisabeth Roudinesco, traduzido para o inglês por Rachel Bowlby ed.2001
Genealogy of the Pagan Gods – Giovanni Boccaccio, trad. por Jon Solomon, Harvard Univesity Press.
O mal-estar na civilização – Sigmund Freud, trad. Paulo César de Souza, Companhia das Letras.
1 Conferência nº35 – pg.2
2Conferência nº35 – pg.2
3Conferência nº35 – pg.5
4Why Psychoanalysis – pg 109
5Genealogy of the Pagan Gods – Book 2, Chapter 70
6Why Psychoanalysis – pg 109
7Why Psychoanalysis – pg 103
8Why Psychoanalysis – pg 95
9O mal estar na civilização – pg.32
10Why Psychoanalysis – pg 103

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O último teste - histórias que nos ajudam a encontrar o caminho

Noé e a metáfora da vida

O retorno da alegria