Deus e o Mal, quando Ele irá parar os gatilhos?

Cena em que Agu precisa matar um prisioneiro para ser aceito na tropa - filme Beasts of no Nation

A pergunta "Se Deus existe, por que Ele permite que o gatilho seja apertado e que a vida de um inocente seja tirada?" é uma questão daquelas que desafia os cristãos de todas as épocas, pois se Deus criou todas as coisas e Ele é bom, como surgiu o mal? De onde veio o mal, senão de Deus- O Criador? Bom, muitos santos talentosos já escreveram a respeito e fizeram muita ginastica pra dar conta dessa questão e aqui estou eu, uma pessoa nada santa, continuando esta tradição... Graças a você maninha! (a culpa é sua..rs)

Deus - Uma grandeza que emudece

Eu não sou cristão, e, particularmente, acredito que o Deus hebraico é muito difícil de lidar, pois tudo é oni! Onipotente, onipresente, onisciente..são tantos atributos que não sobra espaço para outros deuses, não existe brecha para a alteridade e isso dificulta nossa relação com Deus. Já conseguiu imaginar uma sílaba eterna? Difícil né? Diante do Deus hebraico... emudecemos. Talvez, a dificuldade de responder a esta pergunta se deva a grandiosidade do Deus, afinal, se ele fosse menor essa pergunta não faria mais sentido.

É muito difícil atribuir toda responsabilidade ao homem quando tudo é sustentado por Deus e ainda que venhamos a dizer que Deus criou o homem com o livre arbítrio, Deus teve a oportunidade de escolher entre criar ou não toda esta história. Um dia, lá antes da criação do homem, Deus pode escolher entre criar ou não toda a narrativa humana, o que me leva a crer que, no mínimo, Deus concordou com o mal quando decidiu criar o homem, pelo menos como um anti-climax.

O mal é irredutível

Segundo Ravi, nunca poderemos dizer se o mal que agora acontece pode ser absolutamente definido como mal, utilizando a anedota do rapaz que perde o cavalo. Acontece que quando um homem perpetra genocídios ou destrói a natureza e todos os ciclos de vida do planeta, esses atos não podem ser revertidos- não possuem um lado bom possível. Em certos casos, o mal que cometemos é irreversível, imensurável e não podemos pensar em uma maneira de compensar atos desta natureza. Por exemplo, matar inocentes por esporte. para ganhar views no you tube como o EI faz, ou como o ocidente faz quando despeja misseis sobre os vilarejos do Oriente Médio, ou até a morte do Rio Doce, esses atos não podem ser reparados. Nem que o inferno exista, ou algo pior, nada compensaria o que se perdeu, o mal quebra a superfície de nossa ética mercantilista, aquela do crime e castigo, sabe? Você me arranca um olho, eu arranco o seu e está tudo certo, será?

Jó perdeu tudo e foi fiel até o fim, depois ganhou em dobro tudo que tinha perdido. Como assim? Como poderia ser possível recuperar a vida dos filhos que se foram e o sofrimento que despedaçou o coração de Jó? Será que Deus realmente acreditou que Jó se sentiu mais feliz quando recebeu o "dobro" do que havia perdido? Alguém que perdeu tudo em um desastre ou em uma guerra sabe que o que se perdeu não pode ser simplesmente reposto, não existe compensação possível. Sorry, mas o tal do talião não é uma boa referência ética, tanto é que a Bíblia vai muito além disso, por isso eu amo Jó, Abraão, Noé, Jesus... pois muitas lições sobre a relação entre Deus e o homem está nos espaços em branco entre uma passagem e outra, no silêncio do caminho para Moriá, nos suores do Getsêmani.

O livre arbítrio superestimado

O livre arbítrio é um conceito que pede demais do homem. Qual é o homem que escolhe 1% de sua rotina? Pense por um segundo e me diga quais coisas você poderia rejeitar, dizer não. Poderia eu deixar meu emprego só porque eu descobri que o que se faz lá é, em grande parte, ilegal? Ou poderia deixar minha mulher, ainda que ela me traia, ou que eu não a ame mais? Quantos casais não vivem nesta situação? Queria ganhar mais dinheiro, será que só estou na merda porque decidi estar na merda? Todos os dias reclamamos da corrupção, se o mal fosse realmente fruto de nossa livre escolha, porque não existe um dia sem corrupção? Não seria possível combinarmos fazer um mês de trégua? Ou não haveria na historia um ano em que os homens não pecaram? Essa noção de livre arbítrio não seria desumana? Não seria, inclusive, a causa de muitos sofrimentos inúteis?

Concordo com o Ravi quando ele diz que o mal nos torna humanos, porque o mal também me diz que pode haver um bem. De alguma forma, a minha fé não se perdeu e acredito que o bem exista, ainda que o noticiário, toda literatura e filmes baseados em "fatos reais" me digam que o mal - esse sim - é onipresente. Acho que foi uma infeliz coincidência, mas o último filme que vi foi o "Beasts of no Nation", que conta a história de uma criança que se torna um guerrilheiro depois de perder a família inteira numa guerra civil. A cena em que ele precisa matar um homem para ser admitido na tropa é uma imagem bem amarga de como o mal desumaniza tudo, como uma avalanche de sangue. Aqui, também me lembro do filme Gandhi, e o conselho dado para o homem hindu que havia perdido um filho num conflito entre hindus e muçulmanos - "adote uma criança muçulmana e a eduque para que se torne um muçulmano", este homem havia matado uma criança e buscou em Gandhi uma palavra, ou punição - acabou por receber uma oportunidade de redenção.

Quando Deus é tudo e todo, Ele se anula

SE eu fosse cristão, diria que quem aperta o gatilho é o homem em sua maldade e que isso acontece porque somos humanos e podemos igualmente amar e fazer o bem. Mas também diria que esses gatilhos precisam parar - Deus precisa atuar, senão tudo será humano. O problema da resposta dada por Ravi é que a história está repleta do fator humano, agora está mais do que na hora de Deus parar o gatilho, senão Deus se identifica, em sua onipotência, com o nada, reduzindo tudo ao humano, ao pastor que prega bem, aos argumentos grandiloquentes...mas a Bíblia diz: a quem se manifestou o braço do Senhor?(Isaías 53:1) Será que o braço do Senhor é assim, tão tênue, e o nosso livre arbítrio é tão importante para que Deus abandone o inocente à própria sorte?

Após salvar seu dono três vezes e ser espancada três vezes por isso, a jumenta de Balaão falou e abriu os olhos de seu dono( Números 22). Quantas vezes o gatilho precisa ser apertado para que Deus se manifeste? Essa pergunta não pode ser deixada de lado - isso, é claro, se você é cristão e se importa com isso.

Entre ser bom e ser perfeito

Outra pergunta que deve ser feita: se de fato possuímos livre arbítrio, porque não paramos de pecar? Não é uma questão de escolha? Por que sempre pecamos? Ainda me lembro das palavras indignadas do meu antigo pastor quando eu cogitei a ideia de que eu poderia viver sem pecar, pois existe uma ideia muito errada de que viver sem pecado significa afrontar a glória de Deus, se dizer perfeito e autônomo. Isso equivale a dizer que precisamos pecar para afirmar que precisamos de Deus para nos redimir, se não pecarmos, estaremos nos orgulhando (como Lúcifer?) de não precisarmos de Deus para nos salvar. Aqui, preciso afirmar categoricamente que pecar não é sinal de humildade e que não precisamos fazer merda para tornar Deus importante. Precisamos aprender a ser responsáveis sem cair nesse papo de que ser bom é se acreditar perfeito - livre de erros - não é. Virtude ou maldade pressupõe liberdade, não perfeição.

Se aceitamos a teoria agostiniana da natureza pecaminosa, então, devemos aceitar o mal como inerente ao ser humano(corrupção e pecado original), logo, o livre arbítrio fica suspenso, se torna apenas como um apêndice técnico para nos culpar e cujo uso se faz - majoritariamente - para afirmar o mal no homem. O que os defensores da natureza pecaminosa não entendem é que a imperfeição do homem nunca pressupõe sua corrupção, pois se de fato o mal só se exerce pela escolha - liberdade - como pode a imperfeição inclinar a liberdade sem justificar o mal que perpetramos? Trocando em miúdos, perdemos a noção do peso de nossas ações quando abraçamos a ideia da natureza pecaminosa, ou qualquer tese que ligue o natural ao moral.

Conclusão

Contemplo minhas ações e procuro ser bom, sempre. Isso não é motivo de orgulho nem significa que eu não cometo erros, alias, tudo o que amo e reflito sobre, algo tipo este post inútil, não são capazes de mudar nada, não movem a pena de uma pomba. Acredito que o rio da vida pode tomar novos rumos e que a redenção está ao nosso alcance. Deus não é surdo ao clamor da vida e Ele nos acompanha no mais fundo dos abismos.

"As plantas, rochas, fogo, água, tudo está vivo. Eles nos contemplam e veem nossa necessidade. Eles percebem quando não temos nada para nos proteger." Declarou um velho contador de histórias Apache, "e é então que eles se revelam e falam conosco". Isso é o que os Budistas chamam de Sermão do Inanimado" O herói de mil faces - pg.156

Vou avançando, e espero o dia em que Deus irá parar o gatilho, não porque o mal deva acabar, mas porque quero bater um papo com Ele.







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