A Frustração dos Outros

A família reunida pela pequena Olive

Minutos antes de Olive subir ao palco, Sheryl é interpelada pelo filho e pelo irmão que imploram para que ela não deixe a filha ir à apresentação, pois temiam que ela seria execrada pelo público. Existe uma tensão no ar e a assistente de palco se aproxima para chamar a pequena Olive. Assistindo aos shows anteriores, a família se inquieta, corre e pede para Sheryl - a mãe - proteger a filha dessa humilhação e nesse momento a mãe diz que a filha se preparou muito e queria estar lá para se apresentar, enfim, ela pergunta a Olive:

"Você quer ir? Se não quiser, estaremos aqui para te apoiar."

Olive acompanha a assistente e vai em direção ao palco. Creio que deste ponto em diante vocês devem se lembrar o que acontece. O que eu gostaria de dizer aqui é que a família de Olive lutou desde o início da viagem em direção ao concurso Miss Sunshine para que ela pudesse realizar o sonho dela, e, igualmente importante, é que cada membro da família precisou enfrentar suas frustrações pessoais para conseguir dar a Olive a oportunidade de subir no palco e passar pela própria experiência de frustração.

Queria levantar algumas questões... Até que ponto nossos medos são nossos? Até que ponto o que sentimos e tememos é de fato devido a uma experiência real de frustração e qual é a parcela de medos alheios que habita nossa alma e não nos deixa subir ao palco?

Lembrando do momento crucial de Sheryl(a mãe), podemos sentir a pressão que está sobre os ombros dela no momento de deixar que a assistente de palco conduzisse Olive para o ambiente hostil do concurso Miss Sunshine. Se ela desse voz aos seus medos, e aos temores de todos os familiares, ela provavelmente teria impedido a filha de participar, afinal, era dever dela como mãe de "proteger a filha" da humilhação. Do amor familiar brotam sentimentos antagônicos, por um lado preservar e por outro deixar a pequena Olive realizar seu sonho.

Se Olive não tivesse subido no palco, ela não teria a oportunidade de passar pela experiencia de tentar realizar seu sonho, pois ainda que tudo apontasse para uma tragédia, essa experiencia alimentou seus desejos e ela percebeu que aquilo não era tudo, que ela não morreu diante da rejeição e que outras oportunidades se colocarão, mais adequadas às suas aspirações.

A beleza do filme está em mostrar como, literalmente, a família passa pela frustração ao lado Olive e que eles descobrem juntos que aquilo tudo não é o fim. É até divertido, inclusive, já que toda a família é libertada pela apresentação de Olive. Estar junto, essa seria a verdadeira função da família, tendo em vista que quando "poupamos" nossos filhos da experiência da  frustração estamos, na verdade, impedindo o único caminho para a descoberta da personalidade.

Mas como vocês sabem, a realidade é um pouco diferente e o que acontece pode se revelar o oposto disso, como quando os pais riem da filha que caiu na primeira volta de bicicleta. Todos sabem que quando uma criança cai, a primeira coisa que ela faz é olhar para os pais. Normalmente rimos das pessoas que caem, adoramos "videos cassetadas", estamos acostumados a nos distanciar da desgraça alheia e isso caminha lado a lado com aquela ânsia por desempenhos exuberantes, tipo "dança dos famosos". O Faustão diz muito sobre como são as pessoas que o mantêm no ar por mais de 20 anos.

O resultado disso? Bom, diria que é a falta de originalidade. Sem frustração é impossível tocar a originalidade. Aí, o que eu percebo é uma sequência infinita de reprodução dos velhos medos, de pais para filhos, onde ninguém se permite descobrir, dançar like a "Super Freak Girl". Ficamos no poderia, queria, no famoso será? Ou partimos para o oposto - uma experimentação louca, uhu! Sendo este o maior medo dos pais de plantão. Qual é a idade dos nossos medos? 300 anos? Mais? O quanto nossa realidade é moldada por esses senhores?

É antagônico e difícil, mas amar não significa simplesmente poupar o amado das frustrações. Aqui, me lembro da cena do filme Ray, em que a mãe vê o filho chorar, olhos arregalados mirando o vazio. Quando alguém tenta ajudar, ela não deixa, segura a amiga e diz: espere! A criança chora, e depois de alguns instantes ela para e percebe que não morreu, que o mundo não acabou, e encontra algo para se distrair. O mais importante: a mãe estava lá, presente e trepidando. Não é fácil conter o vagalhão de medos e temores que nos inundam nesses momentos, tendo em mente que isso vem se acumulando a gerações, um verdadeiro carma. Não é fácil poupar as pessoas que amamos de nossas inseguranças.

Existem frustrações e frustrações. Normalmente nos frustramos por coisas que não saem como deveriam, são as vicissitudes da vida. Mas a frustração que eu queria enfatizar aqui é a frustração santa, aquela que toca os mais profundos desejos e que nos arranca pedaços. Essa alegre senhora, contudo, sempre nos traz algo, um bilhete da eternidade com um trecho de nossa história, lascas de nossa identidade. Com a dor que sentimos, sentiremos também um bocadinho de todas as dores vividas pelos que eram antes de nós.

Todos nós devemos passar por isso e ajudar os próximos na passagem. Quem sabe não é essa a razão disso tudo que vivemos?



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