Nossa vida sem partido

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Eu tenho uma dificuldade enorme em tomar partido nas coisas, dizer minha orientação, qual é o meu partido afinal de contas?

Nunca tive um amigo que fosse filiado a um partido político, talvez até tenha, mas nunca isso foi relevante ou teve alguma importância prática na minha vida. Percebo pessoas que torcem para um time de futebol, ou possuem uma religião, um desenho favorito... agora partido político sempre foi a mesma coisa que nada. Irrelevância é a palavra que eu usaria para definir partidos políticos. Nunca aconteceu de eu chamar um amigo e ele me dizer, agora não vai dar cara porque eu tenho uma reunião do partido. Sou alienado? Sim, mas acredito que falar sobre o que eu sei e testemunho pode ser o mínimo de sobriedade que a escrita me permite.  

Então, porque debater uma escola sem partido?  

Vi o roda viva com o Karnal e seu ponto de vista a respeito do tema é categórico: "coisa de quem não entende do assunto". Está claro para ele que não existe conhecimento sem perspectiva ou viés ideológico, a neutralidade é um sonho idílico, tipo Adão e Eva no paraíso. Para quem se interessa pelas humanidades é quase um lugar comum se perguntar "quem" pensa, ou seja, somos instruídos a abandonar aquela ideia segundo a qual a verdade paira sobre nós como coisas celestes e instados a pular para a maioridade intelectual. Morte a metafisica! Larga mão de ser ingênuo e entenda que verdades absolutas são construídas para manipular e conduzir os pobres coitados! Coisa de crente, dizem, com um sorriso de canto de boca. Tudo é humano, logo, tudo tem um "para quem". Esses professores tem um q de Rambo blasé no olhar antes de saltar no abismo. Ser um perspectivista aberto ao diálogo é coisa de coragem, pois implica em encarar um nada, se expor e descer para a arena, testar seus argumentos, vê-los caírem por terra e resistir firme. Ouvir e mudar seu ponto de vista não é coisa fácil. Mais difícil é aceitar que não existam verdades puras, olhar o nada e não recuar diante da ideia que tudo é um jogo de poder (poderia incluir nisso: bons argumentos?) inclusive os livros de história. 

Adoraria ver um professor mudar de opinião depois de ouvir uma opinião contrária, se alguém me contasse acharia que essa história foi tirada da Bíblia. 
  
Na mesma trilha encontro amigos criticando a emissora Globo e seu viés golpista e de direita. "Eles manipulam a opinião pública distorcendo os fatos e jogando seu público contra a esquerda." Não vou dizer que eles gostariam de uma "TV sem partido", afinal, seria um bom argumento a favor da "escola sem partido", mas o que me interessa é a prática das emissoras ou jornais em se escorar na crença da neutralidade, em defender um ponto de vista como se fosse o "certo" e que seus argumentos não abram espaço para ser relativizados. Essa prática se escora na crença de que a verdade é uma questão de esforço e bom jornalismo, jogando para debaixo do tapete a ideia segundo a qual a verdade pura não existe. Retornando ao professor Karnal: "seria melhor se a escola favorecesse o debate" e não buscasse consolidar apenas um ponto de vista, no caso em pauta, o do professor. Não podemos nós debater Mill e Locke apenas porque eles acreditavam que suas ideias fossem as verdadeiras? Com quantos gramas de neutralidade se produz um pensador? Não estaríamos nós a sofrer de um excesso de ...  neutralidade? 

Será que os professores também não utilizam essa crença a seu favor? Será que não se escondem atrás dela quando bradam seus argumentos e recebem os olhares brilhantes de seus alunos? Não beberiam os professores desse cálice? O problema de se debater ideias e de se estar aberto a críticas é que isso frustra alunos e professores, todos nós queremos o macio das verdades puras, diria que elas seriam o rodízio intelectual, a gordura do conhecimento. Quem nunca martelou o governo usando a pobreza e a desigualdade como argumentos que atire a primeira pedra. Não é suculento? Admita. A gordura da "verdade" escorre da boca dos departamentos, sejam eles de jornalismo ou das universidades, e pouca gente relutantemente aceita mudar, estar aberto ao diferente e ninguém aceita o nada como opção. Budistas se contorcem a vida inteira diante dele, sobem o himalaia e ficam meses reclusos, conseguiram deglutir o nada? Pediria isso de meus alunos? Quem perguntará o fatídico "o que é a verdade?" Nós não conseguimos ficar um segundo em dúvida.

A escola sem partido é o desdobramento de uma sociedade sem partido e nisso ela é verdadeira. Irônico não? Será que oficializando algo que acontece na prática não estaríamos nós justamente... tomando um partido!? Por que não doutrinar nossas crianças e deixa-las serem rebeldes por si mesmas? Não teríamos medo ou um pressentimento de que elas poderiam muito bem gostar de serem doutrinadas? Não seria isso que, secretamente, desejamos? Ah! O que eu não daria por um punhado de dogmazinhos.

Estamos todos a nos debater diante do fato desagradável de que as pessoas não dão a mínima para o debate de ideias, muito menos para a política e a crença na neutralidade é uma marca dessa nossa inquebrantável vontade de continuar na mesma, ou seja, certos. Sendo assim, por que não acabar com os partidos na política? Acho que o Brasil tem esse potencial.  

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