Bendita Geni


      Conversando com trutas na mesa do bar, chegamos ao assunto fatídico da bunda in natura apresentada por Anita em seu mais novo clipe Vai Malandra. Li uns textos comentando o clipe e agora entendo melhor a questão da negritude ser usada como estratégia de marketing... celulites e pobreza como estratégia de marketing e a ostentação da mulher objetificada funkeira da favela como estratégia de marketing. Poderíamos reconhecer aqui que ela se tornou um tipo feminino superior quando embrulhou todas as mazelas da subjugação da mulher e as usou a seu favor?

          Um dos textos dizia que a Anitta rebola porque quer, ou seja, rebola de uma forma emancipada, o que a torna uma mulher sujeito, não mais objetificada. Nessa altura do campeonato, me pergunto se seria uma coisa emancipatória, num mundo que só te fode, se tornar um masoquista. Creio que essa é a pergunta que não quer calar. 

           Permitam-me viajar sobre outras memórias involuntárias

          Lembro-me de uma entrevista com a Inês Brasil em que ela mastiga o Gentili vivo e cospe só os ossinhos. O apresentador usa um arsenal de trocadilhos maçantes, piadas de cunho sexual que colocam a convidada numa posição constrangedora, o que ela subverte dando respostas ainda mais degradantes, convidando o apresentador a se colocar na simpática posição de esculhambado. Apresentadores engraçadinhos sempre se colocam em situações constrangedoras quando entrevistam prostitutas e atrizes pornô, pois essas mulheres não servem como suporte ao estilo de piada que coloca a mulher numa posição sexualmente passiva. O caso da Inês Brasil me parece ainda mais excêntrico, porque ela parece estar num modo automático, uma espécie de looping interno que cria cenas pitorescas, a revelia das tentativas do Gentili de conduzir a entrevista.

          Não sei se a Inês Brasil é um tipo, um personagem criado para sobreviver aos desafios que ela enfrentou em vida. Prefiro acreditar que ela em algum momento da vida precisou fazer escolhas e que, no caso dela, a opção foi mergulhar de cabeça na esculhambação, criando saídas pela imersão no grotesco. Não acho justo classificá-la como uma mascara, ou fachada cuja função é esconder alguma angústia profunda. Isso é o que normalmente fazemos quando queremos nos apaziguar diante de uma figura que subverte a organização social que nos faz sentido, resistimos diante da ideia de que ela possa ser feliz e de que a "loucura" pode ser uma alternativa digna diante das opções disponíveis no mercado. 

         Creio que isso acontece quando pensamos que prostitutas e atrizes pornô fazem o que fazem porque não tiveram outra opção. Normalmente entendemos que esse gênero de trabalho é necessariamente degradante para a mulher(ou o que idealizamos ser uma mulher). Claro é que existem escravas sexuais, trafico de mulheres, prostituição infantil, mas ainda assim não defenderia a criminalização da prostituição. Defendo esta posição porque muitas pessoas só encontram acesso ao sexo pela prostituição. Esses consumidores do sexo muitas vezes relegam a própria sexualidade à marginalidade, asfixiados pela pressão de uma moralidade dissimulada, presente nas piadas e nos comentários do Facebook. Isso me lembra o caso de Toulosse Lautrec, um "anão" que encontrou a realização sexual quando apresentado a uma certa dama afeita a fetiches exóticos, e outros tantos que não conseguem preencher padrões e não se sentem capazes de entrar no "mercado" do sexo gratuito. 
   
           Outra coisa que me chama a atenção nesse lance é a nossa incapacidade de lidar com o desejo sexual feminino. 

"A mulher... com raras exceções, deseja menos do que o homem"  Darwin 

          Costumava visitar uma livraria e pegar uns livros para ler aos poucos sem precisar comprar, um desses foi o Sex at Dawn. Este livro comenta a maneira como cientistas transformam comportamentos culturais em "naturais" através de suas pesquisas, como defender que a monogamia é um comportamento pré historicamente consolidado, ou que a mulher é um ser sexualmente passivo com base estudos de comportamento animal. Um dos pontos que este livro ataca é a crença de que a mulher não possui uma sexualidade tão aflorada como no homem. Os autores citam uma pesquisa que usou belos voluntários em um campus universitário para perguntarem a um desconhecido se eles gostariam de transar, 75% dos homens disseram sim sem pestanejar, enquanto nenhuma mulher aceitou.   

"Pesquisadores se referem a esta pesquisa para afirmar que as mulheres não se interessam por sexo casual, o que é importante quando defendem a tese de que as mulheres usam o sexo para conseguir coisas dos homens. Afinal, se elas estão dando de graça, a coisa tende a se nivelar por baixo e as mulheres terão mais dificuldade para conquistar coisas pelo sexo." Sex at Dawn

           O uso de perspectivas científicas se tornou o nosso jeitinho favorito de universalizar condutas e comportamentos historicamente datados. Este livro avança sobre a ideia vitoriana de que a mulher é um ser angelical, puro e se algum jovem ainda sentisse "desejos impuros" deveria procurar alguma prostituta para se satisfazer, poupando as damas de família de tamanha desonra. Que sombras esse ideal não lançaria sobre uma sociedade predominantemente católica? Isso me lembra as fotos de Maria olhando com compaixão, de cima... me parece que o catolicismo conseguiu enxertar uma figura feminina no panteão cristão, jogando o ônus da operação nos ombros da prostitutas e das mulheres de família.

"Na era vitoriana, era universalmente sustentado que a mulher não tinha orgasmos; contudo, toda prostituta era ensinada a simula-los." Sex at Dawn

            Em geral, perguntam para atrizes pornôs e acompanhantes por que elas entraram nessa vida. A resposta "porque eu gosto" é igualmente frequente e chocante. Quando a entrevistada é "estudada" então, a coisa se torna um agravante, "mas você se formou em letras!". Ver uma garota bonita, daquelas "pra casar", contando suas experiencias com múltiplos parceiros, animais e anões não é algo que aceitamos com facilidade, tentamos desesperadamente enquadrá-las em alguma gaveta possível. Esquadrinhamos todas as possibilidades e piadas, mas elas não param de rir! É muito libertador perceber que elas não estão nem aí, mesmo que o preço a pagar seja alto. O quanto as mulheres não se policiam, quantas não deram na primeira noite para não parecer fácil? Quantas Genis não existem e existirão? 

Monica Mattos e Jô - foto montagem bem mequetrefe

          Esse antagonismo santa-safada sempre habitou o imaginário brasileiro e dar conta dessa pobreza de caminhos não é uma tarefa fácil. Acredito que entre o feminino bem comportado e a vadia tenha se erigido um ideal "empreendedor de si" para mulheres, tipo um fast feminismo. Vendo um programa de tv, não sei se na gnt ou um vídeo show da vida, achei engraçado a apresentadora entrevistar uma das descobridoras do tal biquíni de fita adesiva... por quê? Bom, ela pergunta pra inventora o que a levou a bolar essa gambiarra, ao que ela responde que gosta de ter marquinhas definidas e que isso deixa os homens loucos. A apresentadora segue perguntando: mas você faz isso pra se achar bonita né? Umas três vezes, até ela dizer sim. Ai ela se acalma, porque na cabeça da entrevistadora, mulher não pode se pautar pelo gosto masculino, pois isso seria regredir ao patamar da mulher-objeto. Como se sair de uma gaveta significasse, automaticamente, a emancipação de todas as gavetas.

                No mesmo programa, atrizes globais comentam as celulites da Anitta, defendendo a "beleza natural". Essas mulheres malham, fazem várias plasticas, dietas espartanas para poder se inserir no mercado e lá chegando precisam defender uma independência da aprovação masculina para ser empoderadas. Very hard ser mulher meu. 

            Apesar de todas as complexidades, continuo achando a instrução do apóstolo Paulo muito válida:

"...porque Deus ama quem dá com alegria" 2Cor 9:7

Link para o pdf do Sex at Dawn : https://www.free-ebooks.net/ebook/Sex-At-DawnThe-Prehistoric-Origins-of-Modern-Sexuality (fácil de logar e baixar)

Post escrito a todos os seres que precisam asfixiar velhas identidades e abraçar a infâmia para existir.
  

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