Desligue o wi fi

     
Observando as pessoas e as coisas durante essa pandemia, vou matutando algumas conclusões que gostaria de compartilhar com vocês, queridos colegas de planeta. 

Quem continua com seu emprego, no famoso home office, está trabalhando muito mais do que antes. 12 horas ou mais, madrugada adentro, final de semana, etc. As empresas perderam os pudores e partiram para o ataque! Reduziram salários, os chefes disseram: "se conseguirmos produzir por aqueles que não estão conseguindo trabalhar, conseguiremos salvar seus empregos".  Meses depois, funcionários estão o pó da rabiola, e as empresas? Felizes com o aumento de produtividade advinda da nova configuração do trabalho.

É o famoso: crescer na crise, lucrar na adversidade dos outros é refresco. 

A combinação de rotinas intermináveis na frente do computador com isolamento social me parece um "blend" catastrófico que irá impactar milhares de home officers em breve. Porém, isso gera lucros, seria esse o alvorecer da exploração hiper-capitalista?

Enquanto estamos pensativos com os rumos da pandemia, o capitalismo segue experimentando. Empresas estão revendo sua política imobiliária, funcionários mudaram para cidades menos turbulentas, enfim, o mundo não acabou. Os lucros dos bancos caíram, sim, mas acredito que está longe de virar prejuízo. As empresas de varejo on line estão expandindo, e a precarização do trabalho foi aprofundada pela crise do covid-19. 

As pessoas que trabalham com eventos(festas, shows, etc.) estão perdidas, não há melhoras à vista no curto prazo. O governo não tem uma política minimamente interessada na cultura e na arte, por enquanto as pessoas estão levando a vida, se virando. 

A periferia segue a vida. Uma conhecida que mora no bairro da Pedreira, perto da divisa com Diadema, continuou trabalhando, foi a unica de um escritório a continuar "no presencial" e ficou sobrecarregada porque todos que estavam em casa pediam para ela digitalizar documentos. O pai dela foi intimado a dormir no trabalho durante a semana, com a ameaça de perder o emprego de zelador de um condomínio num bairro bacana. O outro zelador foi demitido no início da pandemia, o encarregado lhe disse que se ele quisesse continuar iria perder benefícios e só ia poder voltar para casa nos finais de semana. Mãe deixando criança de oito anos presa em casa porque não tem com quem deixar a criança, não vai pagar babá e as escolas estão paralisadas. Isso é só uma amostra grátis do que anda acontecendo por lá.  

Sacar as oportunidades e viajar para uma cidade litorânea com amigos do trabalho, fazer trilhas e festinhas privativas é para poucos. Creio que está na hora de renegociarmos nossos planos de isolamento social, criar um grupo de amigos de quarentena, sair para um rolê de bike, etc. Eu estou na yoga, rituais mágicos aleatórios, leituras prazerosas, inventei meu canal... tudo para não endoidecer. Estava meio devagar na escrita, mas pretendo retomar. Como vocês estão se saindo nessa quarentena? Eu descobri que compro livros compulsivamente, não é um pecado dos piores, mas é constrangedor. Muitos livros lidos pela metade, meu deus..como demora ler um livro! hahaha Ou eu que sou lesado né. Estou aprendendo a pular partes, ler por cima, ler conversando... Drogas? Tentei o cigarro, cachimbo, álcool e descobri uma paixão pelo reserva concha y toro, porém falta verba, então só no niver do pão de açúcar mesmo.

Já caiu a ficha que essa merda de quarentena não vai acabar? Estamos em processo de assimilação. As vezes me parece que só eu estou em casa, como quando era criança e ficava de castigo. Como este ano está sendo lento e excruciante, sei lá o que será de nossas almas no final. Pelo que anda aparecendo no noticiário, vamos decretar o fim da pandemia e começaremos o ano, finalmente! Aqui, me lembro daquela parte em que o rebelde negocia para retornar para a Matrix, comendo um delicioso bife de mentira... aaaaaa como é bom se enganar, que falta faz uma ilusão da boa, sem o mínimo de consciência.  

Saudades de todos, da rua e do bar. Andar no meio da normalidade e ver algumas pessoas bonitas, cruzar olhares no metro. 

Não aguento mais jornal, covid e número de mortos. covid e negacionistas, covid e átila, covid e bolsonaro. tudo uma grande merda. Tudo o que eu queria é que essa pandemia virasse um momento de pensar, de olhar ao redor e dizer.. bom, acho que já deu essa merda de vida.. vamos fazer outra coisa?

Your great mistake is to act the drama
as if you were alone. As if life
were a progressive and cunning crime
with no witness to the tiny hidden
transgressions.

Seu grande engano é encenar o drama
como se você estivesse sozinho. Como se a vida
fosse um progressivo e astuto crime
sem testemunhas para as pequenas e 
ocultas transgressões


Não vamos aprender muitas coisas com essa pandemia, seremos mais massacrados e explorados. O capitalismo vai se aprofundar, acompanhando nossos batimentos cardíacos. Estou sendo niilista nestas linhas? Como amar (n)o isolamento social? Como alcançar os deuses? Como passar de ano? Ficarei eu de recuperação na vida? Seia isso o carma? Vamos transgredir e nos alegrar

To feel abandoned is to deny
the intimacy of your surroundings. Surely,
even you, at times, have felt the grand array;
the swelling presence, and the chorus, crowding
out your solo voice. You must note
the way the soap dish enables you,
or the window latch grants you freedom.
Alertness is the hidden discipline of familiarity.
The stairs are your mentor of things
to come, the doors have always been there
to frighten you and invite you,
and the tiny speaker in the phone
is your dream-ladder to divinity. 

Sentir-se abandonado é negar

a intimidade de seu entorno. Certamente, 

até você, em alguns momentos, sentiu a grande ordem;

a presença crescente, o coro, emitindo sua voz singular. 

Você deve notar a forma como o detergente colabora com você,

ou a tranca da janela lhe garante a liberdade.

Atenção é a oculta disciplina da familiaridade.

As escadas são seu mentor das coisas que virão,

as portas tem estado sempre lá

para lhe assustar e convidar,

e o pequeno fone no celular

é sua escada onírica para o divino.



Sonho que estou sem mascara andando na rua. Difícil aguentar covid e vida escrota, antes eu pensava que o pior da vida era existir solto como um terreno baldio, em meio a um mundo extremamente chato, porém, não conhecia o isolamento social. Começo novamente a me conectar com as coisas, acompanhar Júpiter e Saturno no meio da noite, sentir as o humor das plantas, me pergunto por que não respeitamos as árvores, por que não dizer: nossa que árvore honrada, ou, meu que orquídea perspicaz. 


Put down the weight of your aloneness and ease into the

conversation. The kettle is singing
even as it pours you a drink, the cooking pots
have left their arrogant aloofness and
seen the good in you at last. All the birds
and creatures of the world are unutterably
themselves. Everything is waiting for you. 

Solte o peso de sua solidão e se acomode ao  
diálogo. A chaleira está cantando até mesmo quando ela lhe coloca um chá, as panelas deixam sua indiferença arrogante e veem o seu lado bom pelo menos. Todos os pássaros e criaturas do mundo são inexplicavelmente eles mesmos. Todas as coisas esperam por você.

Lá em 2015 eu tinha um hérnia cavalar e não sabia. Andava torto pela linha azul, ensinava inglês em uma escola perto do Jabaquara e não conseguia sentar no metrô. Não conseguia repousar, viajar era complicado. Nessa época comecei a meditar, ficava sentado com as costas eretas olhando a parede da cozinha. Dias se passaram e eu me perguntei o que era aquela dor que não passava de jeito nenhum, desisti de evitá-la e meditei com ela. A dor melhorou. Foi ai que eu me perguntei se talvez a parede em minha frente também não tinha uma intenção, será que ela esperava algo de mim? Me pareceu que a iluminação era parar e ouvir as coisas. 

Seria a dor uma espera do corpo? Será que as coisas estão em isolamento social desde a colonização portuguesa? Minha história seria um desvio de séculos? Como desemaranhar a espera muda e voltar a nascente de meus queridos equívocos, como descobrir que eles estavam sempre lá? Estou tentando um desencontro genuinamente meu, mas dá trabalho.

Não temos mais porque continuar, então, desligue o wi fi por favor. 


*O poema se chama Everything is waiting for you de David Whyte

   



 





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