O amor tabu

 

Jovem e bela - filme de 2013

"Alegra-te, tu que sofreste a paixão: antes não havias ainda sofrido isto.

De homem te tornaste Deus"            Lamina órfica


Sandro observa sua timeline, mexendo seu polegar mecanicamente procurando alguma coisa interessante, porém tudo que vê são coisas que precisam ser consertadas, coisas que estão erradas, mensagens de como não ser engolfado pela ansiedade, como não cair em depressão, etc. "Essa vida está um pé no saco." 

Depois de ficar com garotas do tinder, happn, ok cupid, sentia que para se conectar com alguém por esses aplicativos estava cada vez mais difícil. Depois de dois anos de pandemia, ninguém aguenta mais isso. Procurar pessoas no tinder é tipo procurar algo para assistir no netflix, passamos horas observando sem conseguir clicar em nada. Escolher algo para assistir ou alguém para ficar se tornou um esforço digno de Sísifo, pois o desgosto que teremos assistindo algo possivelmente ruim, iguala nossa vontade de assistir, e assim atingimos um ponto de equilíbrio que nos aprisiona em um looping infinito.  

"Vou procurar uma puta, tá aí uma coisa que eu ainda não fiz nessa pandemia."

Angustiado pelo aprisionamento silencioso nas celas algorítmicas das redes sociais, Sandro decide caminhar pelas ruas do centro de sp e encontrar uma coisa diferente, quem sabe algo sensibilize seus nervos amortecidos pela telinha do celular.  

Enquanto isso, Raiane estava em uma padoca perto da Republica. Olhando a estufa de salgados, sentia um desgosto por ter que escolher algo sem ter uma opção melhor, afinal já comeu salgados de todas as estufas de sp e chegou a conclusão de que eles são produzidos na mesma fábrica. Agora ainda estão mais caros, seis reais! Uma coisa massuda, recheio meio escasso... mas a fome aperta e não está disposta a gastar mais por algo possivelmente pior. 

Raiane tinha saído da igreja havia alguns meses e estava angustiada porque não tinha conhecidos "do mundo" que pudessem ajudá-la a perder a virgindade. Ela acabou pedindo ajuda para algumas amigas que lhe indicaram um bar no centro e flertar com desconhecidos. No caminho encontrou algumas prostitutas fazendo ponto pelas esquinas e pensou em como seria essa vida, como elas conseguiam se expor tanto todos os dias, faça chuva ou faça sol?

Como havia chegado cedo para a noitada, acabou parando na padoca para fazer uma boquinha antes de começar a beber.

Sandro chega ao seu lado na estufa enquanto ela observa as opções... 

- Difícil escolher né? 

- Estou tentando achar o menos pior, acho que vou ficar com o bauruzinho 

- Boa escolha, menos gases... esses outros você come e fica estufada o resto da noite

Raiane concorda meio sem graça, e Sandro entende que aqui seria um ponto em que sua pretendente provavelmente interromperia a conversa... que comentário desnecessário!? 

-Posso comer um bauruzinho com você?

Sandro tinha tentado conversar com uma putas na rua, mas tinha perdido a coragem inicial. Se achou um frouxo por não conseguir comer uma puta.. "que porra de homem sou eu que não consegue comer uma mulher que eu estou pagando!?" Sempre que via os amigos falando das putas se sentia meio deslocado, queria ter essa experiência para poder participar das conversas do cafezinho na copa do trampo. 

Raiane observa o desconhecido inseguro, com as mão no bolso... era até bonitinho. 

- 150 reais

- Oi?

- 150 reais eu cobro pela transa, se não tiver eu não vou perder meu tempo

Sandro se alegra internamente, porque não esperava que aquela garota que estava na sua frente, que ele achou que era "pra andar de mão dada na rua", era uma puta! Como as aparências enganam, estava acostumado com a imagem da puta de shortinho e decotão, aquilo ali era um ponto fora da curva..

-Beleza! Você faz ponto aqui no centro?

- Faço, mas ainda não comecei o expediente... mas achei você bonitinho, por que não adiantar o serviço?

Após um papo furado, os dois saem pelas ruas escuras do centro procurando um hotel.

-Qual hotel você costuma ir Rá? 

Raiane tinha dado seu nome porque achava que assim ele nunca acreditaria que era seu nome real, logo nunca a acharia novamente. 

-Nesse aqui! 

Entrando em um hotel, ela cumprimenta todo mundo como se fosse íntima... Oi pessoal! Como vão as coisas hoje!? Comecei cedo hein! Rindo alto

O atendente faz cara de desentendido e pede os documentos... eles sobem e ela abre a porta.

Enquanto isso Sandro a contempla, meio bestificado... Que puta bonita! Só falta eu apaixonar

Eles trocam carícias sentados na cama... aquele cheiro de lavanderia, tudo ensacado..

-Quer uma musica? Tenho umas da boa aqui.. 

-Coloca o que você quiser.

-Ra... rola uns beijo? 

-Uai... claro que não! contra o código de ética da profissão .. Diz fazendo uma cara de quem está acostumada a ouvir esse pedido.

Sandro começa a tirar a roupa e se joga pra cima de nossa virgem profissional do sexo. Beija-lhe o pescoço e vai descendo até ficar entre os seios... aspira profundamente um perfume adocicado, que mulher cheirosa! Desce até o botão da calça e puxa com os dentes... antevendo uma calcinha preta, contrastando com a pele branca. Raiane gostaria de poder pedir para apagar as luzes, porque não se sentia a vontade para se despir na frente de um estranho, mas tendo em vista o papel de puta, decidiu apagar as luzes e deixar só uma luz indireta... 

-Pra dar um clima mais sexy

-Opa! Por mim ótimo! 

Raiane pensava em deitar e deixar Sandro conduzir o processo, mas sentiu que ele poderia desconfiar, logo, pegou no pau dele por cima da cueca e disse.. olha ele tá ficando animado! Deita que eu quero te dar até não querer mais! 

Diante de tanta iniciativa, Sandro acabou se intimidando e sua ereção foi por agua baixo. Sem entender nada, Raiane ficou ressabiada... que que eu fiz de errado? Sandro pediu desculpas e disse, gaguejando, que isso nunca tinha acontecido antes. 

-Nossa, um mulherão desse me jogando na cama... me pegou desprevenido. Normalmente as garotas que eu saio são mais paradas e eu que faço as coisas sabe?

-Você quer que eu fique mais quietinha? Só falar. 

Raiane deitou e ficou esperando Sandro ficar mais a vontade. 

-Você pode ficar de quatro pra mim?

- Assim?

A imagem de Raiane de quatro sobre o lençol branco ressoou no fundo da íris de nosso amante fortuito. Ela virou os cabelos negros e deixou cair sobre as costas... eram lisos e brilhantes. Sandro aproveitou o visual e iniciou uma esfregação por cima da calcinha lisa. Colocou a camisinha e começou os trabalhos, mas assim que ele ensaia a penetração, Raiane se curva sentindo dor. 

-Meu deus, eu dei muito ontem ... to toda dolorida!

-Eu vou com mais cuidado.. avisa se tiver ruim - diz receando parecer frouxo pra puta 

Depois de algumas variações de posição, nossos desconhecidos conseguem consumar o ato. Meio esbaforidos, deitam um do lado do outro. 

"Comi uma puta, caralho!" pensa Sandro 

"perdi a virgindade! aleluia" ...pensa Raiane, vinte e dois anos virgem, ninguém merece!

-Podemos uma segunda?

-Só me dá um minutinho... (nossa, difícil essa vida de puta!) 

Sandro acredita que tirou a sorte grande, uma puta bonita que da duas pelo preço de uma! Os caras não vão acreditar. Depois de mais algumas peripécias, o casal termina a noite conversando na frente do hotel.

-Como eu faço pra pagar? Você aceita pix? 

-sim, meu código é esse aqui.. ela digita os números no celular e mostra pra ele

- Você faz ponto naquela padoca?

-Sim... eu costumo ficar ali no final da tarde - diz, com uma cara de convicção

-ótimo, não quero nenhum contato virtual com você; assim quando eu tiver mais grana sobrando eu passo lá pra gente se curtir de novo.

Enquanto isso as amigas estavam bravas com o sumiço de Raiane, achavam que ela tinha dado um bolo nelas...Nem desconfiavam que a amiga ex crente estava inaugurando uma persona prostituta no centro de sp. 

Raiane procura uns canais no youtube para entender melhor a profissão, sacar os causos e os problemas corriqueiros que ocupam as profissionais do sexo, sem contar as dicas quentíssimas das sexólogas para apimentar a transa! Compra umas lingeries mais ousadas e começa a frequentar a padoca no horário que encontrou Sandro. O nosso feliz iniciado no ramo do sexo pago agora pode contar vantagem com os amigos do café! Dei duas com a puta e ela só me cobrou uma! Nooooossa, todos aplaudem. Me passa o contato dessa ai! Neste momento Sandro hesita, não quer compartilhar o achado com os amigos. Desconversa. 

Nosso herói começa a olhar as finanças para calcular quantas vezes poderia sair com ela sem cair no cheque especial.

No segundo encontro, ele não se segura e vai pro sexo oral, vou chupar a puta... foda-se! Raiane, curte mais essa coisa do oral do que a penetração... "gostei disso" Mas, para retribuir o favor teria que usar camisinha, assim diz a etiqueta das profissa. Porém, ela fica meio enjoada com o cheiro da camisinha, a coisa não saiu como o planejado.. ele demorou para gozar - "difícil" ela conclui.  Mas ele pareceu gostar.

No terceiro encontro, ele pergunta quanto ela cobra pelo anal. Ela olha pro lado e pensa... uns 200! Ele topa. Raiane recua, diz que já tinha dado o cu aquele dia e pede para ser na próxima. Sandro lamenta, nunca tinha comido um cu e justo naquele dia ela já tinha dado, que azar! Dá uma puxada de leve nos cabelos da sua puta, olhando se ela ia reclamar... ensaia um tapa na bunda, mas desiste.

No dia seguinte Raiane está procurando "como dar o cu" no google. "Meu deus quanto trabalho só pra isso?" 

Quarto encontro - Rá você é sempre quietinha assim para transar? Você leva muito a sério essa coisa do profissionalismo. Podia gemer um pouco pra mim hein!?

Próxima busca no google: "como gemer gostoso"

Quinto encontro - Raiane se solta mais, ensaia posições mais ousadas. Fica por cima, ao que Sandro a aperta pela bunda e começa a esfregá-la com força. Depois de alguns minutos ela geme bem alto e arranha o abdômen de Sandro. 

-Gozou? 

-Sei lá... quer dizer, gozei gostoso! Show! E vc?

-Ainda não, mas pode puxar um fôlego

-Não... aqui, o importante é a satisfação do cliente. Servimos bem para servir sempre!

Depois de alguns encontros, Raiane começa a ver dinheiro sobrando em sua conta e se assusta. Nossa quanto pix do coitado! Sem contar o quarto de hotel, devo tá dando um preju para ele. Assim, começou a ir menos para a padoca, estava com a consciência pesada.

Sexto encontro - Ra, qual o seu nome verdadeiro? 

-Por que?

-Sei lá, as puta sempre tem nome de guerra. Raiane é um nome de guerra né?

-Você acha Raiane nome de puta? 

-Eu queria saber seu nome de verdade... não fica brava. Eu queria te conhecer melhor, ter mais intimidade sabe?

Silêncio

Sandro começa a pensar com frequência em Raiane, a transa tem ficado mais intensa. Eles passam a noite inteira juntos, ela usa diferentes lingeries, saltos, perfumes. Quando sobra um extra ele corre pra padoca no final da tarde, teme que ela saia com outros caras. Com o tempo, eles foram sincronizando os encontros, o quarto de hotel mais confortável. Quando podia, Sandro ia na 25 achar uns presentinhos para surpreende-la, pensava em como seria namorar uma puta. Tentava imaginar um jeito de propor para ela sair dessa vida, ou se seria capaz de namorar mesmo ela fazendo programas. 

Repetia em voz alta: eu namoro uma puta! Primeira puta que eu como e eu já me apaixono, que merda.

Sétimo encontro - Raiane lá pelas tantas gosta de cavalgar Sandro até gozar, mas dessa vez ele se levanta e eles seguem abraçados. Ela geme em seus ouvidos... quando os apertos se intensificam, ele a beija. Eles se olham nos olhos em silencio por alguns minutos. Seus corações podem ser sentidos tamborilando e o suor escorre pelas têmporas. 

Depois desse encontro, Sandro voltou na padoca todos os dias no horário que costumavam se encontrar e nada. Foi no hotel, perguntou da Raiane, mas ninguém a conhecia. "Não é possível que ninguém conhecia essa mulher". Perguntou para as outras putas da região, ninguém nunca tinha ouvido falar. 

Os amigos dizem que isso é amor de buceta. "Deixa disso cara", isso não tem futuro. 

"Por que eu fui beijar a Ra!? Que vacilo! Devia ter continuado transando sussa, estaria até hoje com ela, que idiota!" 

Sandro segue sua busca, manda pix de 1 real com mensagens diversas: cade vc, vamos voltar a transar, eu pago mais, nunca mais te beijo etc. 

Raiane passa as noites perturbada, inquieta. O que a família iria pensar dessa historia de puta? O Sandro é um cara que sai com putas também, vai saber o que ele pensa da vida. Queria devolver o dinheiro para ele e se sentia muito culpada. E se ele tinha alguma doença? Meu deus! 

Corre Raiane para o ginecologista e encomenda exames completos.

Perde o apetite, pensa em procurar terapia. As amigas não sabiam da historia de ser puta, e o Sandro não para de mandar mensagens. Continuar transando com um cara desconhecido nessas condições bizarras estava consumindo sua consciência, coisa que ela achava sepultada no passado cristão. 

Deixa um bilhete na padoca:

Sandro

Eu acho que perdemos a mão, não me mande mais mensagens. 

um abraço e se cuida     

 

478 - A primeira pergunta não é saber se estamos satisfeitos de nós mesmos, mas se há algo de que estejamos satisfeitos. Admitindo que digamos "sim" a um único momento, consequentemente dizemos "sim" não somente a nós mesmos, mas a toda existência. Porque nada está separado, nem em nós mesmos, nem nas coisas: e se nossa alma estremeceu de felicidade e ressoou como as cordas de uma lira, embora uma única vez sequer, todas as eternidades foram necessárias para promover este único acontecimento, e, neste único momento de nossa afirmação, toda eternidade foi aprovada, libertada, justificada e afirmada.             Nietzsche

 


   

 


  

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