Amor Vietnã

Viet cong camuflados em campo de arroz

Diferente de certas histórias de amor em que os protagonistas sofrem as vicissitudes de um amor assumido, a história de hoje conta um amor como uma força sorrateira, torturada, aniquilada, bombardeada, camuflada, escondida em túneis, matagais e pântanos... um amor guerrilha que aparece quando as pessoas estão despreparadas, perdidas em seu ordinário cotidiano. Um amor que come sozinho, vive e persegue os rastros do amado. 

Encontrei o amor na lateral de um prédio que frequento. Sentada ali papeando. Eu sento também e papeio. Ela estava conversando com uma amiga que eu frequentava para fumar e falar da vida. Sempre conversei com ela e, naquele dia, me deu uma vontade de perguntar... onde você escondeu essa mulher linda todo esse tempo? Vestida pra ginástica em uma tarde que o tempo virou, você não é daqui né? Não trouxe nem uma jaqueta? Vai passar frio mulher! 

Eu não fumo, mas ali com a amiga eu fumo. Adivinho signos, gosto de adivinha-los porque as pessoas descobrem um sagrado vivo ali, do nada, é divertido... como a mágica, ou o amor, faz os olhos brilharem. Você é fixo? Não!? Ela me parecia taurina, uma beleza sólida e simples, um cabelo bonito e um sorriso amplo e bem desenhado. Não? Tá, sagitariana? Neste momento ela faz uma cara divertida dizendo internamente: puta queo pariu. Eu ouvi, ela sabe. Alias, eu sei que ela está aqui neste exato momento, querido leitor, passeando por estas palavras com você. 

Como tínhamos que trabalhar, subimos e ela ficou. No hall houve uma hesitação, suba! Vamos conversar...rs Não consigo! Não dá, deixa pra próxima. 

Alguns almoços acontecem, trocamos mensagens, apresento este blog (nesta altura do campeonato não é segredo pra ninguém ser aqui minha estação de rádio apocalíptica de onde transmito mensagens para o além chamando pessoas vivas, alguém que consiga me responder para que acredite que eu não estou sozinho neste mundo) e vamos descobrindo afinidades. Nietzsche? Nossa você gosta de Nietzsche? Gosta de filosofia? Psicanálise? aiai

Um dia, sentado na padoca fumando ousei um "chega ai" e ela disse sim! Realmente ela não é daqui. Tava ali olhando pra um lado, quando ela chega eu viro e dou de cara com uma mulher linda esvoaçante, quero um café, ou água, ela diz e vira para fazer o pedido. Eu olho pra bunda e meneio a cabeça, como diria Nelson, essa menina é o diabo. Aqui, todos diriam, cuidado! Isso é perigoso. Só diz isso quem nunca entrou neste território peculiar que é o amor Vietnã, um amor florestado, irregular, onde os inimigos não podem atacar à distancia, só se revelando ao cheiro da pele... uma guerra de guerrilha e contato.  

Como não podia ficar mais, ela me diz que ia pedir uma cerveja. Isso não se faz, não se atira em um inimigo desarmado, penso. 

Outros almoços acontecem. Ela me parece mais alta, todos os dias. Sorri e sorri, isso é praticamente um ninho de .50 derrubando tudo. Um dia, por acaso, tínhamos uma tarde mais espaçada e fomos beber uma cerveja. Aqui o ponteiro começou a andar, senti que tinha pouco tempo a partir dali. Estava sentado na frente dela e como já tinha bebido umas lancei a oportunidade dela fazer 3 perguntas. Ela hesitou e não entendeu direito, mas depois embalou. Me perguntou dos meus amores, já amei de verdade? É isso mesmo amor? Lá pelas tantas ela começa a pegar em meu antebraço, eu pego na mão, sento do lado e a partir dai a coisa vira uma história adolescente no fundo do bar. 

Eu disse que estava apaixonado. Ela também. Isso nunca tinha acontecido antes na história desse pais! Um encontro de duas pessoas emocionadas tem tudo para dar errado. Nunca se começa um encontro se declarando, isso não pode dar certo, está fora dos manuais, assim como é perigoso sacar uma arma: nunca saque uma arma sem ter a intenção de atirar, e o fim será sempre a morte. 

O toque é bom, os beijos também, contudo, o cheiro é inefável. Se eu pudesse definir esse amor, diria que é um amor de cego, um amor que pegou pelo cheiro e que navega pelos rastros. A cadeira, os livros, o perfume, os cabelos no chão, fico farejando que nem um cachorro..rs Aqui o visível não importa e toda metafisica ocidental patina, o cheiro é a sustentação da existência - a essência.

Enfrentar um inimigo em posição defendida sempre termina em uma carnificina. A colina 937 consumiu 72 soldados americanos e 685 soldados do Vietnã do Norte, sendo as tropas do Vietnã do Norte de 800 soldados contra 1800 inimigos e 10 artilharias. Essa foi uma das batalhas mais sangrentas da guerra e não serviu para nada, a colina foi retomada pelo Vietnã do Norte em poucos dias. A potência bélica e a superioridade numérica não significam nada diante do tempo. O amor esta a favor do tempo, não da vitória. Seria a guerra uma boa metáfora para o amor? A metáfora da guerra no amor é útil para ilustrar que para os dois não existe nada sem um preço de sangue, isso para os dois lados. 

Nossos corpos estão cansados, adoentados, exaustos. Nossos encontros sempre terminam em um catálogo de coisas maravilhosas, como é prazeroso poder vê-la, mas tudo isso acontece em um clima de "precisamos ir", "não tenho tempo", "estou atrasado", etc. Esse é o roteiro do amor urânico, do amor que rompe a ronda noturna em assalto e que não pode se revelar e se assumir. Um amor em inferioridade numérica, desvantagem estratégica, oculto, silencioso.

Existe guerra legítima? Existe amor tranquilo? O amor é um encontro ou um contato? Existem vencedores? Minhas tropas não querem morrer e aqui me lembro o troiano Heitor dizendo a sua esposa moribunda... ninguém salvou sua vida pela covardia. Isso fez com que ele descesse as muralhas e morresse pelas mão de Aquiles. O trágico em Heitor é mais potente que o divino Aquiles, porque ele enverga algo que o transcende quando não foge da morte. A morte sempre nos questiona: aprendeu? Se não, encontraremos com ela na próxima esquina. 

O trágico não faz sentido para nós, não envergamos mais o além em nossas vidas ordinárias... é uma batalha eternamente e gostosamente perdida. Quem estará ao meu lado no final?

"Levantai vossos corações, ó meus irmãos, alto, mais alto ainda! E não me esqueçais as pernas, levantai também vossas pernas, bons dançarinos, e, melhor, firmar-vos-ei na cabeça!

Esta coroa de risonho, esta grinalda de rosas, eu mesmo cingi esta coroa, eu mesmo santifiquei o meu riso. Não encontrei nenhum outro, bastante forte para isso, hoje."  Nietzsche

Acredito, meu amor, que lhe apraz me ver caminhar em sua direção sempre sem hesitar. Você não entende, realmente, por que eu faço isso, ou como. Sabemos que nosso senso de valor não existe, talvez porque nascemos nas trilhas de guerra, em um eterno trânsito. Todos os dias eu sinto que tudo vai dar errado, e continuo esperando um momento de te ver, sentir seu olhar e ouvir o fatídico "preciso ir embora". Te apraz me contemplar como o mar batendo no rochedo, enfrentando o impossível, recuar e avançar sobre a morte - força. Você gosta desse impossível diário, vital e pulsante que eu chamo amor. 

Se te encontrar estivesse sob um interdito de morte, ainda assim eu iria pegar o metrô para tomar uma cerveja com você. Temos quantos minutos?

Vivo uma velha ilusãoAndo pelas ruas esperando que venha alguma loucaMais louca ainda que eu
Alguém como eu

Saí de casa a te buscarCruzei o país a caminharDesenhei nas ruas um amorQue já não sei se é realOu se não existeE se eu sou triste, a causa é você
É só você                                       mi vita eres tu - Vanguart 

   

   

 

   


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