Só sei que amorte.


 

"Mas o amor é justamente aquilo que nos mostra que não estamos no controle. 'O amor é nossa maior lei de Murphy', você me disse, com os olhos apaixonados, me contando o quão difícil foi pra você terminar o seu noivado porque me conheceu no meio dele. Eu quase morri ao ouvir isso, só não morri porque sabe-se lá quantas vidas eu precisaria viver de novo até chegar a uma onde você me amasse novamente." Ana Suy

Tentei escrever outras coisas nesse final de semana, mas não consegui. Parecia que eu estava querendo que meu cavalinho fosse pra lá, para as bandas de lá... vamos cavalinho! Anda! E nada. E aqui estou eu, novamente falando de amor. Rendido nessa manhã de segunda-feira, deixo ele ir para onde ele quiser. 

Escreva.

Queria falar sobre decisão. Isso pra mim é um tema épico. A poesia em prosa da Ana Suy foi você que me deu, então a culpa é em parte sua, usarei contra você...rs Ultimamente ando pensando na gente e fui percebendo que nós nos relacionamos em modo reverso. Parece que só nos encontramos no primeiro encontro, e que, a partir dali, você foi desvanecendo lentamente. Eu percebi. 

O que é decidir? De maneira pragmática, decidir é calcular, pesar os prós e contras e chegar numa escolha mais vantajosa para nós. Qual casa alugar? Em qual emprego quero ficar? Tento aquela vaga que abriu no outro departamento? Faço aquele curso? Adoto um cachorro? Vamos colocando na planilha os que nos faz falta, o que achamos legal... humm, prefiro casa porque tem mais aconchego; Beagle é mais fofo!  

Amorosamente falando, ficaram séculos decidindo por nós dessa maneira. Qual pretendente tem uma propriedade maior? Mais dotes? É vizinho? É filho do amigo? Será um bom arranjo? É mais bonita? Quer ter filhos? Tem rolo com ex? É de leão? Esses casamentos arranjados são sempre retratados como coisas terrivelmente chatas nos filmes e livros, e normalmente são descontruídos por avassaladores encontros amorosos do tipo Tristão e Isolda, Romeu e Julieta, Eros e Psiquê, Lancelot e Guinevere, ou Rose e Jack.

O legal do amor conveniente é que ele não mata ninguém, aliás, faz a vida de milhares de pessoas acontecerem e mantem a roda do mundo girando. Quem ai teve pais que se amaram perdidamente? Que assumiram um amor que demandou a destruição total de suas vidas pregressas? Pouca gente, imagino. 

Qual é o lado bom desse amor inútil? Esse amor que ferra tudo e não quer nem saber dos boletos no final do mês, qual que é dessa porra? O que isso tem a ver com decisão? Né, só pra não perder o fio da meada..rs

"'É, o amor é a hipocrisia mais bonita que mora em cada um de nós', eu respondi, referindo-me ao fato de que você tem absolutamente nadinha a ver com todas as coisas que eu repeti ao longo de toda essa minha vida sobre o que eu considerava importante num homem. Peço desculpas a todos os homens com quem eu me relacionei antes, me desculpem por todas as racionalizações idiotas que eu fiz a respeito dos fins. O problema sempre foi apenas que eu não gostei de vocês o suficiente." Ana Suy

Os fins a que a Ana Suy se refere são os fins de relacionamento, imagino. Vou terminar com você por causa disso, daquilo, você não tem aquele brilho do nariz, ou tempo de qualidade, ou músculos? Poderia ser os fins no sentido filosófico, como se a existência sempre pedisse uma finalidade... uma causa? (Aqui me lembro do Marquês de Sade e sua cruzada contra o finalismo, praticando sodomia como um ato de rebelião anatômica..rs) Seria o finalismo a última coleira filosófica que tentam nos propor como resposta para a agonia que é ser livre? Ser livre é negar a natureza/convenções? Ser livre é trair?

"O belo tenente Joseph Cable, da Filadélfia, toma o navio para a romântica ilha de Bali Ha'i, localizada numa 'zona interditada', e imediatamente se apaixona por Liat, uma linda garota polinésia. Após abraça-la apaixonadamente, ele se vai de má vontade, retornando muitas vezes. Um dia eles conversam alegremente sobre casamento. Até que a mãe dela, 'Bloody Mary', menciona os filhos que eles terão. Cable se manda e volta para o navio. Romance exótico é uma coisa. E a sombria consequência humana, outra.

O resto do filme conta como dois norte-americanos aprenderam a superar suas prementes reações racistas de desejo e aversão, de atração e rejeição simultâneas, e puderam entender que esse racismo não é instintivo, mas adquirido. Cable canta: 'você deve ser ensinado/antes que fosse demasiado tarde./ Antes de completar seis, sete, ou oito. A odiar todos aqueles que seus pais odeiam'. Demasiado tarde para quê? Para o advento do desejo." Robert J C Young

Nós inventamos razões para nos desculpar, para não ficar. Dizer que não se topa ficar com alguém por que se é racista é feio, então pegamos o navio. Ou que não queremos alguém porque simplesmente não gostamos também é bem feio, então vamos àquelas explicações clássicas e evasivas, ou simplesmente fazemos umas merdas e deixamos que terminem por nós. Em geral, temos que cumprir uns papeis, sociais e familiares, que fazem a gente se esconder de nós mesmos. Nos/nós traímos para deixar as coisas bem arrumadas, para permanecermos fiéis aos outros. A traição esconde uma fidelidade canina, assim como a maioria de nossos sintomas e porque não dizer: nossa infelicidade amorosa?

"Será muita coincidência ou será pura lógica matemática de probabilidades que, desta vez, tenhamos nos encontrado vivendo no mesmo planeta, no mesmo país, no mesmo estado, na mesma cidade, com idades próximas, interesses um pouco afins e que tenhamos nós dois baixado nossas defesas neuróticas e nos deixarmos atravessar ao mesmo tempo por esse raio de fragilidade que nos fortifica tanto - chamado amor?" Ana Suy

Aqui voltamos ao tema da decisão. A decisão amorosa me parece articular essa coisa engraçada que é o nosso passado - quem sabe outras vidas? Quando estamos diante de um grande amor, puxamos um fio - o fio de Ariadne. O fio do desejo sai puxando todas as tranqueiras que nos penduraram nessa e noutras vidas. As coisas começam a sair do lugar, cair, quebrar, afinal, várias pessoas estavam usando nosso fio da vida. Viver sem questionar essas servidões voluntárias é muito difícil, muito delicado, um puta trabalho meu! Conseguir viver e ainda manter tudo no lugar é um trabalho terrível - isso é ser neurótico. E quando o fio da vida está quase se perdendo, alguém vem e nos puxa... mostrando que esse fio é seu, e somente seu. 

Decidir é esse exercício de puxar e sacudir os jugos que passaram a vida inteira nos colocando. 

Por isso encaro o decidir amar como um exercício de libertação e auto aceitação. Os antigos viam isso como morrer, e de fato era. Hoje temos opções melhores. Madame Bovary poderia se divorciar, e Romeu poderia mandar todo mundo tomar no cú. Ser você mesma já não é tão transgressor assim.

Como golpe final, usarei contra você a versão Nietzschiana do tigre que pasta...rs

"Há muitas coisas pesadas para o espírito, para o forte, resistente espírito em que habita a reverência: sua força requer o pesado, o mais pesado.
O que é pesado? Assim pergunta o espírito resistente, e se ajoelha, como um camelo, e quer ser bem carregado. 
O que é mais pesado, ó heróis? Pergunta o espírito resistente, para que eu o tome sobre mim e me alegre de minha força. 
Não é isso: rebaixar-se, a fim de machucar sua altivez? Fazer brilhar sua tolice, para zombar de sua sabedoria?
Ou é isso: deixar nossa causa quando ela festeja seu triunfo? Subir a altos montes, a fim de tentar o tentador?
Ou é isso: alimentar-se das bolotas e da erva do conhecimento e pela verdade padecer de fome na alma?  
Ou é isso: estar doente e mandar para casa os consoladores e fazer amizade com os surdos, que nunca ouvem o queres?
Ou é isso: entrar em água suja, se for a água da verdade, e não afastar de si as frias rãs e os quentes sapos?
Ou é isso: amar aqueles que nos desprezam e estender a mão ao fantasma, quando ele quer nos fazer sentir medo?
Todas essas coisas mais que pesadas o espírito resistente toma sobre si: semelhante ao camelo que ruma carregado para o deserto, assim ruma ele para seu deserto. 
Mas no mais solitário deserto acontece a segunda metamorfose: o espírito se torna leão, quer capturar a liberdade e ser senhor em seu próprio deserto. 
Ali procura seu derradeiro senhor: quer se tornar seu inimigo e derradeiro deus, quer lutar e vencer o grande dragão.
Qual é o grande dragão, que o espírito deseja chamar de senhor e deus? 'Não-farás' chama-se o grande dragão. Mas o espirito do leão diz 'Eu quero'.  
...Meus irmãos, para que é necessário o leão no espírito? Porque não basta o animal de carga? Que renuncia e é reverente?
Criar novos valores - tampouco o leão pode fazer isso; mas criar a liberdade para nova criação - isso está no poder do leão.
... Ele amou outrora, como o que lhe era mais sagrado, o 'Tu-deves'; agora tem de achar delírio e arbítrio até mesmo no mais sagrado, de modo a capturar a liberdade em relação ao seu amor: é necessário o leão para essa captura. 
... Mas que pode fazer a criança que nem o leão pôde fazer?
Inocência é a criança, e esquecimento; um novo começo, um jogo, uma roda a girar por si mesma, um primeiro movimento, um sagrado dizer sim. "

Todo este texto está errado, fora de lugar, descabido. Quem sou eu para falar de você e suas escolhas? 
Eu não te conheço. Eu falo desse "lugar de fala" do atravessado pelo amor, esse conector de abismos. 
E paro por aqui, prometo. 

Você me disse que talvez estamos aqui para aprender a viver separados, eu acho que estamos aqui para ousar nos aceitar, ousar ser amado, ousar amar... e dizer sim a vida. 

Eu te amo :)
Bjos e boa sorte em seu caminho.  

         

Comentários

  1. Eu a entendo, já estive ali naquele lugar, de que é preciso saber que há amores que também são quando separados. Uma espécie de auto-consolo diante da inércia que nos assombra e mantém nosso relativo conforto do lado de fora da aventura (controle? um tempo fora do tempo?). E amei, sem dúvida ela também ama (você sabe). Quem somos nós, afinal, pra dizer o contrário? rs A ilusão é cativante, mas por trás do véu, somos nós conosco mesmos. E é nesse ponto que entendo você e esse amor-ousadia, esse seu sim. Que sigam ambos bem-amando :)

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    1. difícil né..rs mas seguimos na luta, creio que precisamos ir até o fim, é isso o que a vida pede de nós.. obrigado pela leitura amiga! :)

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