O valor dos desencontros


O estado vazio de significado revela por sua indeterminação o outro que o toca.

Poeta:
Sujeito com mania de comparecer
aos próprios desencontros

Manoel de Barros

O que acontece quando compartilhamos o mesmo espaço com outras pessoas? Ou melhor, o que acontece quando compartilhamos sentimentos? Ou os dois ao mesmo tempo? Lembrando de minha colega Pati, que possui a curiosidade de descobrir o que se esconde atrás desse “discurso comum”, queria pensar esse momento compartilhado onde duas pessoas se encontram e descobrem um novo mundo, tudo isso mediado pela linguagem oral, olfativa, táctil e a insuperável olhada nos olhos... o que acontece quando nos encontramos?

Quando esse assunto me vem a mente lembro de minhas aquarelas. Quando vou fazer um desenho colorido procuro precisão nos traços, uma beleza das formas, um separar de espaços. Quando começo a colorir, tudo vai bem até eu passar o pincel por uma superfície silenciosamente ainda úmida. A tinta parece invadir o novo espaço misturando tons, distorcendo o espaço, unindo o que antes estava cuidadosamente separado. Tipo uma osmose cromática, a tinta deixa minha intenção estética de lado e começa a traçar seu próprio diálogo, o que eu demorei a apreciar, pois vivia com o paninho a postos para essas ocasiões, secava a tinta! Há! Nada escapava ao plano... sobrava monotonia.

Uma coisa que seca nossos diálogos é essa vontade de entendimento, esse paninho que guardamos no bolso e que lançamos mão quando o que ouvimos não corresponde à nossas expectativas. Perguntamos de pronto: o que você quis dizer com isso? Aonde você quer chegar? Organizamos o que dizemos em tópicos, usamos metáforas, parábolas, antíteses, notas de rodapé, e sem perceber nos distanciamos daquela pessoa que está justamente ali, ao nosso lado. Isso quando não tomamos o mal entendido por um mau entendido, pois geralmente algo que não entendemos se passa por algo que não gostamos. É difícil não entender né? Deixar as coisas andarem sozinhas, se misturarem. Eu acho que dizer o mesmo é importante quando precisamos que as pessoas que convivem com a gente satisfaçam nossos gostos, valorizem coisas que nós valorizamos, sigam nosso traçado. Para isso precisamos “secar” as pessoas para que sejam outras pessoas na medida certa para nos fazerem feliz, afinal a diversidade não pode extravasar nossos planos.

Ultimamente estou deixando a água no papel, os desencontros estão ficando frequentes, os mal entendidos também. É muito ruim quando nos reconhecem pelo que não somos, quando preenchem o espaço vazio com o que há de comum e pior na humanidade..rs Mas como estamos nesse blog pra espairecer, pra tentar outros caminhos, para ajudar nosso colegas navegantes pelo mar da solteirice e entreter aqueles que já cruzaram o cabo da boa esperança, me permito estas coisas. Digo, contudo, que tenho uma boa impressão desses mal entendidos, pois eles revelam com mais espontaneidade o que as pessoas são, sem aqueles milhares de filtros com o qual disfarçamos nossas intenções, isso, se houver a possibilidade de um segundo encontro..rs 

Lembro que certa vez marquei de assistir um filme chamado "Medos Privados em Lugares Públicos" com uma garota com a qual estava começando a sair. Eu havia comentado com ela que estava tentando assistir esse filme fazia muito tempo, já havia perdido a seção várias vezes por motivos diversos, ela até tinha me sacaneado falando que tudo aquilo tinha acontecido pra eu assistir o filme com ela..rs Enfim, estou eu lá e nada dela chegar, o trailer começa e eu volto para o saguão, o filme começa e eu fico dentro da sala do cinema(lotado) procurando cadeiras e olhando para a porta... enfim, depois de várias idas e vindas, eu saio e a encontro sentada olhando preocupada para as pessoas... a gente começou a rir e, pela décima vez, eu perdi o filme do Resnais, mas nada se compara a reação que ela teve quando percebeu que eu considerei o atraso uma fatalidade, não um "relaxo" ou uma falta de consideração da parte dela.. ela ficou aliviada e eu fiquei feliz por que gosto de pessoas que se preocupam com as outras.

O filme do Resnais ficou uma eternidade em cartaz..rs ainda bem!

Dica do dia:

Essa simpatia saiu mais para contos da cripta
- Pegue um Santo Antônio em miniatura (não o deixe cair e quebrar o pescoço como eu..rs)
- Converse com ele e diga como vai querer que a pessoa amada se apresente, com detalhes! Tipo cor do cabelo, comportamento sexual e defeitos... afinal, ninguém é perfeito! Verossimilhança é valorizada pelo santo.
- Depois mergulhe o pobre santo em um copo d´água e o ameace dizendo que só irá retirá-lo desta tortura quando encontrar o amor da sua vida!   
- Para resultados mais rápidos, minha mãe aconselha guardá-lo na geladeira... o que evita focos de dengue e pressiona o pobre santo a trabalhar a seu favor!!! Essa é a simpatia em tempos de exploração capitalista.

* eu desisti depois que minha mãe disse que a minha amada iria aparecer com o pescoço quebrado... tipo noiva cadáver..rs 

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