De peito aberto.


Reconhecer o lugar do sofrimento nos religa a nosso solo vital - Portinari (criança morta)

"A depressão, sintoma do mal-estar neste começo de milênio como a histeria no final da era vitoriana, é ao mesmo tempo condição e consequência da recusa do sujeito em assumir a dimensão de conflito que lhe é própria... O sintoma neurótico provém justamente das resistências de um eu que não dispõe de recursos significantes para enfrentar seu sofrimento. Por conta da resistência, do desconhecimento que esta produz, o sofrimento recusado lança sobre o eu uma sombra muito maior do que sua dimensão verdadeira." (Sobre ética e psicanálise pg. 80)

Uma ideia sempre esteve no meu horizonte durante meu percurso no curso de filosofia, a ideia de parar, estacar, segurar a onda, cair de maduro, não desviar o rosto do soco, tipo como aquele momento do filme "clube da luta" em que o Tyler derruba soda caustica na mão do Jack e fala pra ele não espernear, não jogar água, não imaginar um lugar confortante, enfim, a dúvida é algo cáustico tanto quanto uma decepção amorosa, o que normalmente nos lança em fugas, conjecturas, desculpas, festas... Aaaah, a dor é incontornável e é parte do processo de assimilação de nossas experiências(ruins).

Durante a aula de filosofia antiga, o professor fica duas, três horas para construir uma questão e os alunos ficam impacientes, propõem respostas, outras dúvidas, tudo pra resolver logo o desencontro... o professor quer colocar a questão: como conciliar a ação virtuosa com a idéia de liberdade? Pois se a cada ato o agente puder escolher fazer o mal, a virtude seria algo frágil, mero fruto do acaso. Até esse momento eu já dormi e acordei várias vezes e entendo porque as pessoas acham os filósofos pessoas monótonas e blasés. Acontece que filosofar é sentir a dúvida em todos os seus desdobramentos e isso é uma situação incômoda, pois uma dúvida bem construída compromete muitas certezas, gerando uma ansiedade que dificulta o entendimento honesto da questão. 

A verdade não é uma resposta, assim como o amor não é uma pessoa. Por isso dói, dói demais.

Vendo o facebook podemos notar milhares de prescrições que indicam como ser a feliz, alegre, bom, algo que mobiliza todo amargor de nosso ilustre Pondé. Este fenômeno acontece porque a ideia de felicidade hoje é construída individualmente. Os grandes ideais, antes fundados na coletividade, estão desmoronando e diante deste vazio cada um assume a função de legitimar sua vida e seus desejos, daí nos sentimos pressionados a provar constantemente que somos felizes, como se esta imagem fosse a comprovação de uma realidade. Para aqueles que reclamam de Deus, veja o trabalho que ele tinha na antiguidade indexando os grandes ideais, depois que Ele se retirou de nosso universo laico cabe a nós legitimarmos nossa existência – aja auto-ajuda e lero lero politicamente correto.

Essa posição de autonomia iluminista do qual nos orgulhamos é frágil, basta terminar um relacionamento para perceber o quanto o homo sapiens pena pra se aceitar, afinal como nossa pequena existência pode suportar o fardo de legitimar seu sentido ou sua felicidade? É viver a flor da pele... por isso vivemos uma sociedade de consumo. Gastar é uma daquelas delicias que aterram os pântanos de nossa geografia, deixando a paisagem plácida, agradável e suportável(aos olhos dos outros).

A dor, ao meu ver, possui a ação pedagógica de revelar nossa precariedade, assim como a dúvida. Reconhecer isso é importante porque podemos vislumbrar os limites que constituem o perfil de nossa individualidade. Desta forma, conseguimos viver melhor quando deixamos de lado esta obrigação de legitimar conceitos que devem ser coletivamente fundamentados, permitindo que estruturas, antes soterradas, possam habitar e enriquecer nossa experiência da vida. Isso seria uma tentativa de resgate de nossa intimidade, de cultivar nossa alma onde ela não faz sentido coletivamente, poupando nossa alma deste fardo que deveria ser carregado por toda uma sociedade.

Ter dúvidas, se equivocar, sofrer um amor perdido, escorregar na borda da piscina, são reflexos de uma vida bem vivida(com suas limitações), se isso é ser feliz... ai eu não sei, talvez tenha dormido justo nessa lição..rs

Comentários

  1. Hj adiamos tanto o sofrimento, o luto, que não sabemos lidar quando este grita e é vomitado de dentro de nós... Talvez essa nova onda de depressão sejam só pessoas que não sabemOS lidar com qualquer tipo de dor ou dissabor. Saudade de tu e to aqui, te lendo de longe. rssss

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    Respostas
    1. Fla Carol! a mesa do almoço não é a mesma sem vc..rs
      mas continuemos conversando aqui.. pela net.
      gosto desse tema e penso que estamos exagerando nesta onda de "curtir a vida"..senão!!!! ou, olha como eu sou feliz!!
      estamos sobrecarregados, cansados - dai qd damos um espacinho para nossa intimidade, ela explode - raiva, lágrimas, revolta - é uma pena que manifestemos tão pouco o que pensamos e somos, seria uma vida mais leve..não? e menos sofrida, na minha opinião.
      bjs!

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