Incômoda Irrelevância


Poderíamos viver uma vida melhor? Ter casado com uma outra pessoa e ter tido uma vida mais feliz?

Vivemos a maior parte de nossos dias pensando em melhorar as coisas, adquirir bens mais atualizados, ter um salário maior ou um corpo mais atraente. Todas as coisas vão ganhando um caráter transitório, relativo, em vista do qual atingiremos horizontes mais plenos, mais felizes.

Estou aprendendo, melhorando, atualizando... isso é muito bom não? Quem diria que isso seria ruim? 

Agora, olhando as estrelas eu penso: quantos viveram neste planeta e morreram anônimos, varridos por um infortúnio aleatório? Ou quantos gênios desistiram e escolheram uma vida modesta? Dizem que um mosquito destruiu um dos maiores escritores da era medieval(Dante Alighieri), e que Arquimedes antes de ser morto por um soldado romano apenas pediu mais dez minutos para finalizar um teorema em que estudava. O pesadelo de uma pessoa que quer se atualizar e se tornar relevante seria ler Akutagawa e ver que a vida pode acabar assim... na escuridão, em meio ao lixo e o pior, sem um clímax.

Mas este chão querido leitor, é importante.

A nossa relevância impede voos maiores. Vejo que o peso de nosso ego emudeceu o sagrado, ele está aqui, mas atravessa a nossa experiencia de forma sombria e calada. O que ando constatando é que esta vida não possui sentido apenas pela representação e a experiência sensível não consegue estribar a existência bruta, desde Platão nos debatemos com este fato desconfortável. É estranho constatar que tiramos fotos de coisas que gostamos, e não é para nos lembrarmos delas num dia chuvoso revirando antigos álbuns fotográficos, mas para torná-las coisas mais reais. Inflamos o visual para encontrar um um rastro de realidade... somos Tântalos sedentos, submersos na multidão de imagens.

Qual é a felicidade da irrelevância? É descobrirmos a alegria de ser para além de qualquer relação possível, seriamos aquela palavra que duplicamos sem querer - ela está ali no meio da frase e se descobre nua, sem sentido!?Antes de apagá-la, imagine que de sua contemplação pura poderia escorrer significados fugidios, molhados, de um aroma de pele desnuda, de um calor calor luxuriante das virilhas que acariciamos... um calor que beija. Ah quantas alegrias vagas, sem nome, habitam o chão das representações? Aqui descobrimos porque é tão gostoso ler Manoel de Barros, é divertido ver as palavras correndo destrambelhadas como galinhas decapitadas.

Olhe por dois segundos, apenas olhe. Aqui, contemplamos as multidões de lindas flores que murcharam anônimas, estrelas finadas se eclipsando, outras nascendo, em silêncio. Quanta tragédia no mundo, quantas espécies desaparecem todos os dias e quantas multidões morrem de fome, isso é horrível não? E quantos pensamentos foram esquecidos para sempre? Miríades de amores se calaram e viraram suspiros num final de noite dentro de um metrô vazio. Quantas pessoas morreram sem nunca amar?  Trabalharam exaustivamente, participando de uma cadeia perfeitamente coerente, fugiram ao horror de ser.

Oh, mas quanto desperdício! Deveria eu aqui clamar para que amemos mais!? Aproveitar cada dia como se fosse o último? Lutar pela genialidade com cada joule de meu cérebro viscoso?

Escaparia à irrelevância?

E diante de nossa incômoda irrelevância, o espírito do mundo, risonho, nos diz: 
"A fonte de que jorram os indivíduos e suas forças é inesgotável e infinita como o tempo e espaço; pois aqueles são, justamente como estas formas de todo fenômeno, também somente fenômeno, visibilidade da vontade. Medida finita nenhuma pode esgotar aquela fonte infinita; e por isso    
a todo evento, ou obra, sufocada em germe, ainda se apresenta em aberto para o retorno a infinidade inata. Neste mundo do fenômeno há tão pouco prejuízo verdadeiro possível, quanto verdadeiro lucro. Unicamente a vontade é ..." Schopenhauer

Deixo esta palavra aqui, sozinha, veremos o que ela florescerá!

                                                                       
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Comentários

  1. Acesso, partilha.

    Questão: o primeiro dia de um grande acontecimento é irrelevante?
    Sempre que se fala de entrega, de presença, de aproveitar, se pensa no último dia, no grande evento que é morrer. Porquê?

    Eu aqui imagino que quando eu estava sei lá onde me preparando para outra vez habitar um corpo nesse velho planetinha azul, eu o olhava no horizonte ainda longe e sentia uma enorme empolgação expectante que me dava borboletas na alma.

    Onde está a expectativa de aproveitar a vida??? Tudo tem que ter o peso de uma despedida?

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