Cunha, uma anedota maquiavélica

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Lendo alguns comentários sobre os desdobramentos do impeachment, achei interessante algumas pessoas indicarem que Eduardo Cunha será descartado tão logo tenha cumprido sua função. Seria uma questão de tempo até que esta figura odiada por todos os lados da questão (ptistas, coxinhas e isentões) fosse ejetada do exercício do poder para cair no esquecimento, provavelmente, um ostracismo remunerado.

Achei interessante e me lembrei de uma anedota narrada por Maquiavel em seu "O Príncipe" que penso caber como uma luva nesta situação. A triste história de Ramiro de Orco é contada no capítulo "Dos principados novos que se conquistam com as armas e fortuna dos outros". Título pra lá de sugestivo..rs

" Tomada que foi a Romanha, encontrando-a dirigida por senhores impotentes, os quais mais depressa haviam espoliado seus súditos do que os tinha governado, dando-lhes motivo de desunião ao invés de união, tanto que aquela província era toda ela cheia de latrocínios, de brigas e de tantas outras causas de insolência, o duque achou necessário, para torná-la pacífica e obediente ao poder real, dar-lhe bom governo. Por isso, aí colocou Ramiro de Orco, homem cruel e solícito, ao qual deu os mais amplos poderes. Este, em pouco tempo, tornou-a pacífica e unida, com mui grande reputação. 

Depois, entendeu o duque não ser necessária tão excessiva autoridade, e isso porque não duvidava pudesse vir a mesma a tornar-se odiosa; instalou um juízo civil no centro da província, com um presidente excelentíssimo, onde cada cidade tinha o seu advogado. E porque sabia que os rigorismos passados tinham dado origem a algum ódio, para limpar os espíritos daquelas populações e conquistá-los completamente, quis mostrar que, se alguma crueldade havia ocorrido, não nascera dele, mas sim da triste e cruel natureza do ministro. E, servindo-se da oportunidade, fez colocarem-no uma manhã, na praça pública de Casena, cortado em dois pedaços, com um pau e uma faca ensanguentada ao lado.

A ferocidade desse espetáculo fez com que a população ficasse ao mesmo tempo satisfeita e pasmada." 

O duque de Milão usa as pessoas certas, põe "ordem na casa" e ao final, sacia a sede de justiça do povo esquartejando seu laranja. Uma manobra perfeita, tanto o é que Maquiavel a registra em sua obra como "exemplar". Quem vai defenestrar Cunha? Provavelmente, será a mesma pessoa que o colocou na presidência da Câmara (para executar o impeachment).

Mas antes que venhamos a pensar: como Maquiavel é maquiavélico! Poderíamos ler a sua biografia e perceber que ele não estava muito feliz com a situação política de sua época e que ele escreveu o Príncipe como um manual para o governante lidar com o que tinha à mão, tendo em vista o contexto político descentralizado e instável.

Ultimamente, percebo a política no Brasil mais ou menos como nos tempos dos "condottieri" na Itália renascentista... uma coisa caótica, onde mercenários endinheirados se batiam em busca do poder, como mostra o caso do ídolo de nosso autor, Cesar Bórgia. Em nossa "república das bananas", temos setores oligárquicos se batendo no vácuo político criado por Dilma e um povo que ainda não percebeu sua posição secundária, coadjuvante no plano político. Só nos percebemos parte da política quando sentamos nossas bundas na platéia e observamos o espetáculo, as vezes cômico, outras tantas trágico.

Acostumados à política da encenação, refinamos nosso gosto e agora buscamos apresentações arrojadas, reviravoltas, golpes, conspirações...acampamos na Paulista, soltamos fogos. O que Maquiavel lamentava era justamente isso, essa falta de potência política, esse apequenamento ao qual as oligarquias e o povo-platéia se aferram, fazendo com que o autor busque uma folga da mediocridade em seu "Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio", indicando que o poderio Romano se originava nos pontos de contato entre a Plebe e o poder, articulado na instituição do Tribuno da Plebe.

Será o nosso destino, amigos que gostam de pensar a política, discursar sobre a Democracia em algum sítio em Mairiporã, escrevendo análises arrojadíssimas, enquanto a Fortuna não dá o ar da graça?




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