As ondas e o amor, ou porque adoro O brilho eterno de uma mente sem lembranças

O que seria melhor do que a chance de apagar memórias e mágoas?

Conheço pessoas que não gostam de histórias românticas porque os finais geralmente são catastróficos ou previsíveis. Por isso, quando vemos um close de frente na personagem principal caminhando pela cidade no final, já esperamos pelo caminhão em alta velocidade que irá atingi-la enquanto ela fala ao telefone com o amado, distraída e feliz. Como se algo estivesse nos dizendo que a felicidade nunca pode ser desfrutada impunemente.

Quando as pessoas morrem nos finais dos filmes sempre fico com a impressão de que o filme é mais real que os outros, pois quebra minhas expectativas e isso é o que normalmente a realidade faz com a gente. Diante de um filme romântico eu quero de alguma forma flertar com um impossível, com algo que nunca realizei e isso me faz lembrar um artigo que li recentemente que dizia que o primitivo em nós é um lugar no qual estamos sempre "chegando". 

Todos os filmes românticos me lembram uma grande praia no qual as ondas se lançam apaixonadas, evanescendo em delicadas rendas de espuma. Por que eu nunca me canso de ver esse espetáculo? Não seriam as ondas do mar uma metáfora de todo amor? O despejar furioso que nunca alcança o seu termo e cujo próprio peso a faz retornar, turva e cheia de conhas vazias, para o coração do mar. Os redemoinhos e a fúria de um maciço de águas nos caem ao coração e nos encontramos lá, juntos ao casal de enamorados a se desentender, naquele lugar sem saber direito onde é o fundo ou onde é a saída. Acabamos tossindo água salgada, olhos ardendo assentados sobre o horizonte revolto... sem fôlego. E não é que voltamos para lá, lugar de onde a pouco quase morremos, apenas para nos divertir e derramar algumas lágrimas antes de começar uma nova semana.

(Spoilers à frente)

"Eu sei" diz Joel para Clementine, no momento em que ela lembra que sua última memória será apagada. "E o que faremos?" Ela pergunta, ao que Joel responde: "Aproveitaremos". Esta é uma conversa do filme "O brilho eterno de uma mente sem lembranças", nome que causa estranhamentos aos desavisados. Desde a primeira vez vi, percebi que ele estaria no meu "top five" para sempre. É um filme engraçado, não porque é do Jim Carrey, mas porque não é muito conhecido e quem conhece normalmente acha foda. O enredo gira em torno de um casal que termina e decide apagar um ao outro de suas memórias, o que parece ser algo bem prático, infelizmente tudo começa a desabar quando Joel descobre, no meio do processo de formatação, que ainda ama Clementine.

Esse filme vai de encontro ao ideal de amor planejado, aqueles prometidos pelos sites de encontro tipo e-harmony que prometem um amor sob medida, sem sofrimento. Eles gravam um depoimento antes da formatação no qual elencam todas as razões que os levaram ao procedimento e dizem coisas com um nível de crueldade que somente alguém que amamos muito é capaz de alcançar. Isso porque detalhes doloridos, manias dos quais nos envergonhamos do fundo da alma, momentos vis e ridículos são testemunhados em primeira mão pelo nosso amor. Descobrimos, meio desconcertados, que o amor mais encantador é algo que pode nos machucar de uma maneira inacreditável.

Depois de ouvir todo um arsenal de insultos que gravou contra Clementine em seu toca fitas, Joel diz:

- Eu não consigo ver nada que eu não goste em você.

O que é este ser que se ri das memórias, que deseja para além de todas as razões do contrário senão o mais doce dos amores? Quando sacudimos as razões e nossa história.. o que nos resta? Esse filme me tocou demais porque fala de um amor que morre, daquele amor que descamba e desata em discussões infinitas e que das cinzas das mágoas consegue clamar, sua voz está ali a nos chamar para aquela praia deserta e fria onde tudo começou. 

O amor nos alcança ali onde não conseguimos nos perdoar... é quando ouvimos um "tudo bem" e o Brilho eterno de uma mente sem lembranças é um filme único porque fala desse amor que nos chama do lado de lá do fim. 


Como é imensa a felicidade da virgem sem culpa.

Esquecendo o mundo, e pelo mundo sendo esquecida.
Brilho eterno de uma mente sem lembranças!
Cada prece é aceita, e cada desejo realizado;


Poema de Alexander Pope citado no filme

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