Face a Face

Google imagens..rs

Ando de metrô todos os dias e arrisco dizer que passo mais tempo no metrô do que em casa. Um dia sentei ao lado de uma moça que escrevia no whatsapp e me espantei com a rapidez com que ela escrevia usando seu polegar, era algo intenso e sua respiração estava embargada, seus olhos marejavam. Ela ficou ali escrevendo, anônima, da Madalena à Ana Rosa. A porta então se abriu e ela saiu caminhando um pouco perdida, com passos entrecortados, voltando ao mundo real.

Comecei a pensar em como usamos vários aplicativos para conversar e de como essa digitação está penetrando em nosso coração. Como esperamos pela confirmação da mensagem, das alegrias que sentimos quando vemos um "typing..." do outro lado do chat. Podemos mudar nossas fotos, colocar aquelas em que estávamos na melhor forma, com um sorriso espontâneo. Pinçamos momentos felizes, linkamos palavras sábias e rebocamos impecavelmente nossas fachadas virtuais para receber visitantes, seduzir, conversar com a família e trocar ideias engraçadas naqueles grupos tipo Buzzfeed. A plástica do virtual não tem limites e oferece um mundo de relações aparente livre de frustrações, podemos deletar/bloquear desafetos... aqui o "não" é apenas um sinal para avançar sobre outros perfis, afinal o não foi direcionado para o meu perfil. E se o índice de rejeição estiver muito alto, posso até bolar um perfil mais fake, mais chuchuzinho... tudo é possível no virtual.

E o que acontece quando nos encontramos?
Emudecemos.

Quando estamos diante das pessoas, não podemos escolher a cara que vamos estampar. No máximo as garotas podem abusar de uma maquiagem, mas se você estiver triste... vai parecer triste. A pessoa com a qual converso vai me responder na hora! Ela vai poder reagir à minha fala instantaneamente, sem edições. Isso é um pouco difícil de aguentar..rs Vai poder, inclusive, dizer que não concorda e vai rebater o que eu digo, dizer: nada a ver Paulo. Diante dessas amargas possibilidades, a presença afetiva está se encaminhando para a ponta de nossos polegares, nosso coração está debandando para o virtual. Ali é mais confortável e seguro, nada mais natural.

Por isso, parte de nossas tarefas diárias se tornou essa "mudança para o virtual". Vamos usando nossas câmeras para transportar nossas experiências para o Insta, as saídas precisam ser filmadas e todos os momentos incríveis precisam ser colocados no caminhão da mudança, pois esse real é árido demais para abrigar nosso coração. Muito melhor é a time line do meu Face, toda organizada e colorida... ficará para sempre lá, ou até os servidores do Face durarem.

Até o dia em que perceberemos que não conseguimos dizer o que sentimos, sem digitá-los em algum lugar. Ficaremos horas falando nada com nada, sentindo um peso enorme no peito, não entenderemos. Aqueles momentos que passamos junto as pessoas que amamos se esvaziarão sem percebermos e ficaremos tímidos. Aturdidos, pensaremos.. engraçado! Antes não era difícil assim, conversar. Diremos ao nosso amor... pera ai que eu preciso dizer algo importante pra você, viraremos e escreveremos no whatsapp. Aaaa agora sim.

A presença carrega inúmeras possibilidades de frustração... Quem se atreverá a falar face a face?  

Talvez a vida se divida em modalidades como a música, vida "em studio" ou "alive". Perceberemos que alguns possuem uma presença de palco única, enquanto outros se adaptarão ao virtual formidavelmente, ao ponto de parecem perfeitos demais... essa vida tem muita edição, falta algo. Assim como percebo artistas que não conseguem se apresentar ao vivo sem o playback. Quando ouço tal pessoa falar, parece que não é ela falando... ela só mexe a boca..rs O real se encaminha para uma grande simulação a ser enxertada pelo virtual, um anteparo para minha construção anônima, com meus apps e editores de fotos.

Vamos torcer para um dia a eletricidade acabar, ai poderemos ver as pessoas improvisar uma "capela" de seus desejos... o som atravessará o ar livre de médiuns e nossos corações perceberão uma amplidão nunca antes vista. Os afetos correrão como crianças em um campo aberto, uau! Que liberdade! Vocês estão ai amigos! A liberdade sempre esteve ali onde podemos nos frustrar, o bom e velho real.  

Comentários

  1. Gostei, mas frustrações ocorrem mesmo no mundo virtual, não estamos livres delas rs...mas também torço para que as relações sejam mais ao vivo do que pela tela de qq aparelho.

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    1. Sim.. vc tem razão. Eu gosto de pensar como continuamos evitando as frustrações, ainda que o preço seja viver em um mundo virtual, com tudo que isso possa acarretar.

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