Pare com o mi mi mi

Vivemos um momento de lutas por direitos de várias partes da sociedade e isso está estampado em todos os meios de comunicação. Os programas de TV estão sacando o momento, percebi isso quando liguei no programa Amor e Sexo ontem e contemplei uma avalanche de discursos pró diversidade. O tema do programa era beleza, aliás, o último episódio tratava de transgêneros e teve muita repercussão... acho que eles decidiram apostar no tema da igualdade, ainda que isso significasse desviar o programa daquele clima controverso e excitante do "vamos falar sobre sexo".

Até que o Otaviano Costa soltou uma espontaneidade do tipo: "O que você acha do termo plus size? Você não se incomoda de ser qualificada assim? Afinal, você é normal." O diretor do programa não conseguiu impedir completamente os participantes de serem eles mesmos, ainda bem. Ele foi criticado e retirado do foco em questão de segundos, mas esse ponto é bem importante: qual é a relação entre o movimento pela igualdade e a ideia de normalidade. O que é ser normal? That's the question.

Não avisaram o Otaviano, nem o resto da população, que a luta pela igualdade de direitos passa pela crítica do ideal de normalidade. Não passou pela cabeça das pessoas que ser normal, implica na exclusão de tudo o que não se enquadra em seu modelo, ou, para ser mais claro, que ser normal nos permite ter acesso a todos os privilégios que a sociedade tem a nos oferecer e que a sociedade, atualmente, nada mais é do que um pacote de privilégios. O espanto de Otaviano quando foi criticado vem do fato de ele nunca ter percebido que é um privilegiado. Nossa sociedade, caros colegas, não é igualitária. Nunca foi e vamos precisar de muito sangue para mudar.. um pouco.

Se um alien me perguntasse o que é Mi mi mi eu diria: é um som emitido quando um humano privilegiado ignora sê-lo. "Mi mi mi" é o que uma "pessoa normal" diz quando vê alguém que não é protestando por direitos - em outras palavras, mi mi mi é um exercício de negação. Não aceitamos facilmente que participamos de um contexto de exclusão e marginalização de milhões de pessoas e queremos continuar na ignorância.. please. Então.. pare de mi mi mi

Admitir que tenho participação nessa meleca toda, justo eu!? Uma pessoa tão correta e normal...

Normalidade é um modelo de coerção e subjugação, não é um ideal neutro. Desde que não podemos sair por ai matando quem der na telha, criamos alguns mecanismos para nos permitir esse tipo de alegria sem precisar ofender o poder do Estado. Um deles é usar a moral, assim, soltamos sobre criminosos e desviantes a crueldade guardada em nossos porões. Basta assistir ao documentário 13ª Emenda (disponível no Netflix) para notar que na história dos EUA os negros recebiam uma carga enorme de crueldade por parte dos brancos, pois o fato de que eles eram considerados sub humanos lhes permitia isso. Depois da abolição, sem mais esse expediente de catarse (posso dizer assim?), os americanos criaram leis severas de combate ao crime e, coincidentemente, milhares de negros começaram a lotar o sistema penitenciário. (Alguma semelhança com o Brasil?)

Usamos tudo o que pudermos para poder manter o privilégio da normalidade. Criamos hospícios, cadeias, favelas, pobreza, países, leis, palavras para negar uma realidade que nos incomoda e desestabiliza. Nós criamos muros! Olhe ao redor, consegue ver uma casa sem muro? Se existem pessoas gritando do outro lado, é porque existe um muro!

Os negros, pobres, mulheres, gays estão em uma posição que eu poderia chamar de privilegiada. Por quê? Bom, porque eles estão percebendo antes dos ditos "normais" que todos estamos do lado de fora do muro. Eles podem perceber que não existe uma identidade dada e que isso é um exercício de luta e construção. Já os normais, vivem a se entrincheirar atrás de ideais que estão a décadas fazendo água, por isso acredito que os movimentos de racismo, xenofobia e afins vão aumentar na medida que esses ideais fracassam, conforme o navio dos normais vai a pique seu desespero tende a se intensificar.

A luta pela igualdade vai ser apropriada pela mídia, vamos ter que aguentar apresentadores globais vomitando um politicamente correto ascético até o topo, tudo pelo ibope, para "agradar". Faz parte. Enquanto isso vou me divertindo com os atos falhos.

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