Covid-19 e o monopólio do medo.

Usar mascaras será um novo padrão de comportamento público?

Com o avanço do corona vírus estamos na iminência de revelar ao mundo as mazelas de nossa abissal concentração de renda e descaso com a população mais pobre. Isso porque em breve o avanço do covid-19, se os prognósticos seguirem seus modelos, irá ceifar milhares de vidas que se aglomeram em periferias, prisões e cidades desassistidas e alimentadas por fake news que relativizam a epidemia com o argumento de que tudo não passa de um complô chinês para angariar "vantagens econômicas" com a crise. Tentar usar a máquina das fake news contra o vírus me fez questionar o papel da doença no cenário político atual... seria o novo inimigo?

Defender a economia ignorando a pandemia, o mantra que começa a ser entoado hoje com o: "ou voltamos a produzir e restabelecemos a economia ou o numero de mortos pela crise econômica irá ser maior do que os mortos do corona", apenas denuncia uma disputa pelo monopólio do medo, encarnado agora na pandemia covid-19. Quase como se o capital dissesse: Pera ae! Eu posso matar mais que essa gripezinha! Sigo espantado com nossa incapacidade de agir e pensar fora de um panorama de ameaças e tragédias iminentes, vide toda a retórica implicada no tema do aquecimento global, fato que põe em evidência nossa incapacidade de questionar a submissão absoluta ao mercado e à economia e seu "braço armado" - o medo do colapso.

Vejam que o vírus está fazendo com o mundo o que os 1% mais ricos normalmente fazem com os demais seres humanos.

Em alto e bom som, esse dilema é uma ressonância da ameaça do "chefe", posso ouvir sua voz quando diz que a produção não pode parar e que sacrifícios precisam ser feitos, e já são feitos diariamente, vejam os casos igualmente alarmantes de burnout. A vida nunca foi uma prioridade. Nesse contexto, 7 mil velhinhos não podem parar a produção. "Como assim quarentena?" Pergunta o Sr. Justus. As pessoas e suas vidas nunca foram uma prioridade para o sistema capitalista, agora nosso chefe de Estado e alguns homens de negócios seguem o mantra desse capital esquizofrênico homicida. Trocando em miúdos: eles estão apenas sendo coerentes com o atual modelo de negócios.

Por isso é tão difícil cuidar da população, gastar energias e esforços para combater o avanço da doença e equalizar as questões levantadas pela paralisia econômica. O dilema surge da falta de energia para lidar com as duas questões(ou seria servir a dois senhores?) e decorre da centralização feita há séculos no incremento da produção econômica. Não diria que esse é um falso dilema, diria sim que se trata agora de dois dilemas concorrentes. A disputa pelo medo da morte, seja do capital em crise, seja daqueles que estão apreensivos pelo contagio fatal, denuncia nosso modus operandi - ameaça de morte + submissão.

Claro que no monoteísmo do capital nunca existirá um numero suficiente de mortos que seja capaz de justificar a parada da produção, simplesmente porque é a morte, instrumentalizada pelo medo, que faz o sistema continuar funcionando. O dilema saboroso do capitalista, aquele do... mas a recessão não trará também mortes em massa? O desemprego em massa causará mais mortes que o corona vírus! O dilema que sempre ameaçou governos e trabalhadores, foi tomada ironicamente pelo vírus do morcego, bagunçando nosso horizonte imaginário, já acostumado a servir ao portador da ameaça de morte.

O corona vírus tomou do capital o monopólio da ameaça de morte e isso deixa a gente muito confuso. A quem servimos agora? Aos especialistas do corona, "seus funcionários", ou aos mercados em queda e seus beneficiários inquietos? Seria como se um segundo inferno aparecesse na Bíblia para outros pecados, nesse caso para quem tosse em público e não lava a mão, etc. Esse é o verdadeiro dilema que habita o fundos dos olhos vidrados de Bolsonaro.

O biólogo Atila Iamarino é o primeiro funcionário bem sucedido do corona vírus e seus vídeos já possuem milhões de visualizações, assim como seguimos aplaudindo os profissionais da saúde, panelando contra nosso antigo algoz - o mercado - representado na figura do presidente. Notem como nos organizamos perfeitamente bem ao redor do medo e de como o sistema de poder fica truncado quando um novo "player" entra em jogo.

Muito simbólico é a luta para fechar igrejas devido à disseminação do corona vírus, quase como se o Deus que antigamente lançou a moda fosse aposentado compulsoriamente pelo rival mais jovem. O vírus está fechando seus concorrentes um por um e até o momento está se saindo vitorioso no quesito retórica do medo e matemática exponencial. Vejo pessoas dizendo que a China sairá fortalecida, eu acredito que a crise apenas nos mostra como estamos todos reféns de um discurso centralizador da morte, seja do vírus, seja do mercado e seu colapso, ou do clima e seu aquecimento ou do Estado chinês e seu bigdata, não existe, até o momento, saída que fure esse esquema. 

 

           

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