O signo de Leão


"A pessoa nunca está aqui ou ali, mas numa ação, numa tensão, numa impetuosa arremetida — mais raramente como fonte de um equilíbrio feliz, cujo sentimento nos é proporcionado, por exemplo, por uma página de Bach." pg. 38 zen e psicanalise

Eu coloquei essa citação por falta de uma outra que existe apenas na minha mente. Qual? A do leão de pelos dourados do zen budismo. A ideia que eu não pude encontrar faz referência ao que pode ser definido como verdadeira existência. Quando um leão está em perseguição de sua presa ele é um ser pleno, usando 100% de sua capacidade, nesse estado o monge diz que o discípulo alcançou o estado do "leão de pelos dourados". O ser não é apenas eu estar boiando no mundo, para os budistas e para os leões, existir verdadeiramente só é possível quando se pode expressar toda sua potência em um segundo - o ímpeto. 

Eu acredito que essa imagem do zen é muito boa para introduzir uma conversa sobre o signo de leão, algo que estou adiando há séculos. Chegou o momento "leão de pelos dourados"

Eu comecei por aqui para tocar um primeiro ponto que acho importante sobre os leoninos: nossa extenuante procura por uma plenitude. Nós desprezamos toda forma de vida que não queria se comprometer totalmente em alguma coisa, algo que nos torna cansativos, diga-se de passagem. Desprezamos guardar dinheiro, pensar no longo prazo, repousar, pegar leve, aqui acho que temos um parentesco escorpiano. A vida é muito mais do que a soma das partes! Vamos queimar tudo e ver a beleza antes oculta na escuridão e no repouso. Essa me parece ser uma veia do signo de leão, uma empolgação com a revelação de forças antes ocultas pelo repouso. 

Outra parte importante dessa imagem é que o leão só consegue perseguir sua presa porque ele pode usar seu corpo de forma inconsciente e tem total domínio sobre a multiplicidade dos órgãos e músculos. Isso casa com o posicionamento zodiacal, como inicio do segundo ciclo do elemento fogo. Agora, as bases da existência já foram lançadas e podem ser "apropriadas" para que o indivíduo expresse sua singularidade no mundo. É aqui que mora a maior sombra de leão, pois a utilização dos elementos como fundamento, ou como "meio" para realizar seu propósito o torna, não raras vezes, incapaz de perceber a individualidade dos seres com os quais convive. Aqui se encontram muitas barbaridades do prometeico séc. XX.

A embriagues da coalizão das forças humanas, ou naturais, para conquistar metas elevadíssimas é uma hibris tipicamente leonina. Leão como o abusivo ingênuo, a criança do zodíaco.

Quando eu tinha meus 14 anos eu me converti ao cristianismo e coloquei em prática um projeto de perfeição cuja meta seria o dito agostiniano: ame a Deus sobre todas as coisas e faça o que quiser. Nessa época minha mãe voltou a fumar e se divorciou em um processo bem turbulento, o que a transformou em minha antagonista natural. Dona Beth não queria aceitar Jesus, não cuidava de sua saúde, assistia muita TV e comia miojo. Muitas brigas, tentativas de conversão, sermões, muita lógica, convencimento razoável e nada. Ela se tornou o foco de meu projeto de transformação que eu indiretamente gostaria de impor ao planeta Terra inteiro, uma maquete de meu projeto megalomaníaco. A não colaboração de minha querida mãe era uma verdadeira pedra no meu caminho, não entrava na minha cabeça da onde vinha tamanha resistência auto destrutiva (sei sim, ela é aquariana).

Um belo dia estava sentado na igreja e algo na pregação me disse: você pode estar errado. 

Como meu Deus!? Estou seguindo a risca o que manda a Bíblia, tudo certo e responsável, como eu preciso avaliar o que eu estou fazendo com o outro? Se estamos fazendo a coisa certa, por que deveria me preocupar com o que os outros pensam? Se eu estou fazendo o que Deus manda, só estaria errado se Deus estivesse errado! 

O dia das mães chegando, Deus me dizia: escreva uma carta para ela e peça perdão por estar tratando-a desse jeito. Eu estava nervoso, tremendo. Foi a carta mais difícil que escrevi. Essa história eu já escrevi neste blog, se eu não me engano. Acho minhas misérias muito didáticas. Sentia muita vergonha de ter que admitir que eu não estava sendo legal com minha mãe e que minha fidelidade a Deus não me dava o direito de tratar os outros com brutalidade. Essa carta mudou a minha vida. 

Outra imagem do signo de leão que eu gosto me veio quando eu deveria preparar uma aula sobre o signo em um curso de astrologia. Nessa imagem eu coloco o leonino como o filhote de águia que já está maduro para voar, mas ainda não sabe como voar. Aquele baita pássaro, uma envergadura enorme, tremendo de medo quando a mãe o empurra do ninho. O eu é sempre imaturo, sempre ignorante de suas possibilidades e sem coragem não conseguimos desvelar nossas potências desconhecidas.

"Existe, contudo, um aspecto sem par do nascimento: o cordão umbilical é cortado e a criança dá início à sua primeira atividade: respirar. Qualquer rompimento de laços primários, a partir de então, só será possível na medida em que esse rompimento for acompanhado de atividade genuína. O nascimento não é um ato; é um processo." pg.103 Zen e psicanalise

O signo de leão só se abre quando conseguimos ter coragem. O que hoje é uma coisa fácil, antes era impossível e aqui está a potência desconcertante e a inocência um tanto desajeitada do signo de leão.

Uma imagem literária dessa coragem em marcha é o personagem Percival. Depois de ignorar os apelos da mãe ele parte em busca de um rei que o consagre cavaleiro, o que o leva para a corte do rei Artur. O rei estava sendo desafiado pelo cavaleiro vermelho, e ninguém conseguia derrotá-lo. Um cavaleiro derrotado vendo o moço adentrar a corte sem descer do cavalo, acha curioso e decide aplicar uma peça no jovem, dizendo que ele seria cavaleiro se derrotasse o cavaleiro vermelho. Ele vai e não consegue nem chamar a atenção do desafiante. Incrédulo, o cavaleiro vermelho questiona o jovem se o rei mandará outro desafiante.

"O cavaleiro furioso, perde as estribeiras. Ergue a lança com as duas mãos e, com um terrível golpe, atinge por trás dos ombros o jovem Galês: um golpe que o faz arriar até as orelhas do cavalo. O rapaz, ferido, fica furioso e, visando o olho dele o melhor que pode, lança lhe direto seu dardo. O dardo penetra no olho e sai pela nuca, espalhando miolos e o sangue. Devido ao golpe e pela dor, o coração dele falha. Ele tomba na terra. Fica estendido.

O rapaz desce do cavalo. Toma a lança do falecido, pondo-a de lado. Tira o escudo do peito dele, mas não tem sucesso em retirar seu elmo. É obrigado a deixá-lo. Queria desfazê-lo da espada, mas nem mesmo consegue tirá-la da bainha. Segura-a pelo punho e empenha-se em retirá-la." pg.138 Patrick Paul

Sobre a maneira como podemos integrar essa potência leonina em nossas vidas, eu gosto desta perspectiva também inspirada em um conto arturiano, o conto do Cavaleiro do Leão, comentado por Heinrich Zimmer:

"Fala-se, nos mitos gregos, de outro grande Homem-Leão - mais próximo de nossa imaginação e por isso mais fácil de decifrar: Hércules. Por suas façanhas heroicas, tornou-se modelar para a antiguidade, tal como Owain para os povos basicamente celtas do mundo Norte medieval. Porém, Hércules ligou-se ao principio "leão" à maneira grega, que era oposta a céltica. O animal não o seguia como um cão fiel; o herói conquistou, matou e esfolou o monstruoso e invencível leão da Nemeia, vestindo-lhe a pele, usada, daí em diante, como traje característico... ele percorreu com arrogância todo país, como um superleão bípede e homem conquistador da leonidade, ou seja, conquistador de todo reino animal, por ter subjugado seu rei. 

O herói ideal da civilização grega, preparando caminho para o Cristianismo e a era do homem moderno, libertou a mente de sua reverência arcaica para com esses traços e formas animais, tão conspícuos nas mitologias ancestrais da Mesopotâmia e do Egito(...)

Se o animal interior é morto por uma moralidade por demais inflexível, ou mesmo se é apenas submetido à hibernação de uma rotina social perfeita, a personalidade consciente nunca será revitalizada pelas forças ocultas subjacentes, que obscuramente a sustentam. O animal interior pede para ser aceito, para viver conosco, como um companheiro estranho e às vezes desconcertante. Apesar de mudo e obstinado, sabe, ainda assim, mais do que nossas personalidades conscientes, e, descobriríamos quanto sabe, se ao menos aprendêssemos a lhe escutar a voz quase imperceptível. É essa voz, exortação do instinto, a única que pode resgatar-nos dos impasses para os quais nossas personalidades conscientes nos conduzem de modo ininterrupto, enquanto permanecemos envoltos pelo orgulho de sermos humanos por completo, desdenhosos e destituídos de qualquer contato intuitivo com a oculta fonte vital do mundo."

No conto em questão o cavaleiro Owain é acompanhado por um leão que o segue como um cachorro, o protegendo e guardando. Um dia, depois de uma batalha feroz, o leão se cansou e o cavaleiro o carregou em seu cavalo para que ele pudesse descansar. Em outra ocasião ele tentou prender o leão para duelar com um monstro que disse ao cavaleiro ser o leão algo que impedia um duelo justo, porém o leão escalou as paredes e salvou seu cavaleiro. Essa fidelidade é uma coisa magnífica em leão. O signo de leão percebe na fidelidade uma condição de se sentir especial na vida, seja ele leal aos amigos/companheiros ou a um ideal social. Dizer que algo é especial torna a doação ilimitada de leão possível. O prazer da dádiva e da generosidade sempre se acompanha da insegurança do não reconhecimento, da possibilidade desse outro não dar à entrega leonina o valor devido - missão impossível, diga-se de passagem. 

Aqui está uma chave para leão, a religiosidade. Acredito que o signo de leão precisa se conectar com o sagrado para poder dar aos outros, e a si mesmo, um pouco de paz. Afinal, Deus e o Sol estão ali brilhando todos os dias, doando sua energia de forma magnânima a todos os seres, talvez nós leoninos possamos aprender que não estamos sozinhos nesse universo. Assim, sempre teremos testemunhas para compartilhar essa maravilha que é viver. 

“Tudo o que está fora diz ao indivíduo

que ele não é nada, ao passo que tudo o que está dentro o

persuade de que ele é tudo” pg.41 Zen e psicanalise


*O zen budismo e a psicanálise - D T Suzuki, Erich Fromm, Richard de Martinho

  A conquista psicológica do mal - Heinrich Zimmer

  O segredo do Graal - Patrick Paul

 

  

    

      

 

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