O amor é biutiful
Cena de Biutiful, de Alejandro Gonzáles Iñárritu |
Às vezes parece que a vida não
quer olhar em nossos olhos. Nossos esforços se perdem em meio a multidão de
demandas que nos cercam e não conseguimos evitar o sofrimento daqueles que
amamos. Eu penso em tudo que passei e organizo minhas memórias, disponho minhas
energias para compreender o que causou toda aquela tristeza para que assim eu
consiga evitar tais decepções, para evitar o inevitável. É engraçado, mais com
17 anos eu acreditava que relacionamentos infelizes não deviam existir e que as
pessoas deviam casar virgens, afinal o sexo antes do casamento poderia trazer
complicações, gravidez indesejada, doenças venéreas. Como um Descartes
Quixotesco, eu tentava excluir da vida tudo que poderia trazer alguma margem de
dúvida.
Seguindo essa receita
racionalista ingênua, acabei por me esvaziar completamente. Passei alguns anos tentando resolver as questões que me afligiam abraçando um cristianismo furioso, irrepreensível, acreditando que a minha abnegação poderia transformar as pessoas, fazê-las sofrer menos. Aos poucos fui minguando, me afastando dos amigos, das pessoas, articulando mil atividades religiosas, a noite ficava ansioso, dormia mal, passava o dia sonolento. É uma tentação perigosa racionalizar a vida para
retirar-lhe o peso do sofrimento, silenciosamente achamos que podemos traduzir
e controlar nossa realidade e, em um momento de delírio máximo, chegamos a
acreditar que somos responsáveis pelas coisas que nos acontecem. O bom de assistir seus esforços desmoronarem é que acabamos percebendo que somos muito precários e que algo muito mais importante está diante de nós, mas não percebemos pois estamos muito preocupados fugindo de nossos sofrimentos.
Assisti a um filme que se chama
Biutiful e acompanhei a saga do personagem Uxbal se desdobrando
para sustentar seus dois filhos tendo um câncer invadindo seu corpo. Ele é um
atravessador que navega entre a exploração de mão de obra chinesa, os camelôs
africanos, usa seu dom de médium para conseguir gorjetas, vende o túmulo do
pai, lida com a bipolaridade da ex-esposa, tudo para conseguir sustentar seus
dois filhos com um mínimo de conforto. Seu filho menor volta e meia aparece
arrastando o lençol pelos cômodos da casa, Uxbal pergunta: por que você esta
acordado? A criança responde: por que eu fiz xixi nas calças... Uxbal abraça
seu filho e diz: não tem problema. Com o passar do tempo o próprio Uxbal começa
a urinar nas calças, sofrendo a fase terminal de sua doença. Preocupado com o
futuro de seus filhos, ele vai a uma médium e pergunta quem cuidará de seus
filhos, ela responde que o universo cuidará. Ele diz que o universo não paga o
aluguel de sua casa. Uxbal sabe que vai morrer, mas não quer, não pode morrer. O
dinheiro que junta para seus filhos se perde, só resta seu amor por eles. Eu
penso em como momentos de sofrimento e privação são capazes de revelar o amor
em sua face mais profunda, mais ou menos como quando sai o sol depois de um
longo período de chuvas, como a paisagem fica mais colorida! A precariedade
permite ao amor se expressar em seu esplendor.
Em um momento do filme, Uxbal é
chamado para acompanhar um velório e entre os mortos havia uma criança. Ela é a
única que não consegue seguir para o mundo dos mortos. Depois de conversar com
o espírito, Uxbal é questionado pelo pai aflito sobre o que impedia seu filho de
seguir para o outro mundo, ele diz que a criança estava arrependida por ter
roubado um relógio. Diante da morte, ou da vida, o que significa um relógio?
Não imagino o que se passou pela cabeça do pai quando
ele encontrou o relógio escondido atrás do pé da cama, como Uxbal lhe dissera.
Eu acredito que este pai encontrou, na verdade, o amor de seu filho.
Ainda não vi coisa mais linda que uma pessoa que ama.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirNossa... gostei demais disso: "É uma tentação perigosa racionalizar a vida para retirar-lhe o peso do sofrimento, silenciosamente achamos que podemos traduzir e controlar nossa realidade e, em um momento de delírio máximo, chegamos a acreditar que somos responsáveis pelas coisas que nos acontecem."
ResponderExcluirE disso: "Ainda não vi coisa mais linda que uma pessoa que ama."
Isso me lembra isso: A mãe num dia em que podia descansar se desenrolava em mil atividades para que a filha pudesse retornar para sua casa distante levando algumas delícias e algum aconchego da sua casa de criança...
A filha que começava a se preocupar com as atividades da Mãe que não acabavam nunca, disse: "Não precisa não, tá bom já, já tenho muito pra levar..."
A Mãe pára sua alegre correria por um instante, olha nos olhos da filha e diz com imenso carinho: "Você quer?". Claro, é a resposta! E a Mãe sem mesmo esperar a resposta continua... feliz da vida...
AMOR DOAÇÃO!!!!!!!!!
"Você quer?" simples assim...
Quem dá amor dá porque não poderia fazer diferente, independente do retorno...
bjinho :D