Vamos disfarçar



No amor, momento e eternidade se confundem - se tocam. 

Algumas semanas atrás, assisti a um filme chamado “Amor a flor da pele” e, em alguns comentários, os críticos diziam que o filme narra um amor que não existe mais. Eu discordo, pois acredito que o filme procura mostrar que o amor transpassa nossas vidas e o fato de que nós mudamos culturalmente não significa muita coisa para este Deus. Ele continua movendo nossas vidas, a diferença é que, como todas as boas religiões, ele se tornou um segredo.

No filme, dois casais se descobrem vizinhos após uma mudança e, depois de alguns meses, Chow e Li-Zhen começam a se encontrar pelos cantos da pensão, trocando conversas curtas, olhares. Ambos percebem que seus cônjuges viajam muito e a solidão começa a dar lugar à um sentimento de cumplicidade. Antes que você pense que eles se lançam num adultério tórrido, o que acontece na verdade (se você quiser ver o filme, por favor, pare de ler por aqui..rs) é que eles se descobrem traídos e lamentam juntos o fato de seus parceiros não os amarem. Essa lamentação ganha proporções, eles ensaiam discursos que fariam para terminar o relacionamento, imaginam como seus cônjuges se conheceram, começam a inventar motivos para se encontrar, tudo a uma distancia respeitosa, cuidadosa. Esse respeito que chega a ser exagerado, a ponto de ambos mal se tocarem. O amor que cresce entre os dois usa este espaço respeitoso como uma maneira de agradar, “nós não somos como eles” diz Li-Zhen em alguns momentos. Em uma cena Chow adoece e chama um amigo para lhe trazer comida, Li-Zhen encontra esse amigo no meio do caminho, perguntado-lhe como está Chow. O amigo diz que Chow está querendo xarope de gergelim, pois a doença está lhe tirando o gosto das coisas. Após alguns minutos, Li-Zhen começa a cozinhar como não fazia há muito tempo. A dona da pensão pergunta por que ela está fazendo xarope de gergelim e ela apenas diz que lhe deu uma vontade inexplicável de tomar um xarope..rs

Posteriormente, depois de se separarem, Li-Zhen vai sem avisar ao apartamento de Chow e acende seu cigarro só para sentir o cheiro se seus antigos encontros.Todos pensavam que os dois tinham um caso, mas eles, pelo menos no transcorrer do filme, nunca chegam às vias de fato. Eles não tinham um caso, na verdade, eles tinham um segredo – eles se amavam. A separação física, a falta de contato, de diálogo, nem sequer arranham o sentimento que eles sentem um pelo outro, este amor é tão intenso que ele chega ao ponto de se tornar indecente, como as palavras que Deus sopra algumas vezes em nossos ouvidos.


Foi arrebatado ao paraíso; e ouviu palavras inefáveis, que ao homem não é lícito falar. 2 Coríntios 12:4

Como perscrutar esse amor? Ou melhor, para quê? Ele deve ser contemplado como um laço de bronze que não podemos vislumbrar as pontas, quiçá desatá-lo. O que neste mundo pode abarcar essa experiência? O que vivemos todos os dias são desdobramentos, efeitos, destas forças subterrâneas que nos balançam, nos embalam em uma rotina que pensamos ser regular e previsível. Reclamamos, trabalhamos muito e nos escombros do que deixamos para trás se encontram os caracteres de um amor que não conseguimos expressar em palavras, simplesmente porque é ele que se expressa em nós através de um eterno signo cuja ponta se encontra agora, no presente, como já disse Agostinho no post anterior.

Não se aflija se isso não lhe parece algo claro, não é. Desculpa.
Nada depende de nós, isso está bem claro. Se o frecheiro cego te acertou, aproveite, mas digo que ninguém vai conseguir te compreender, porque amar é algo muito bom, é tão bom que ninguém mais entende essa experiência. Nossa cultura desaprendeu os prazeres de tal forma que conseguimos pensar algo como “trabalhar dignifica o homem”... amar se tornou o pior dos adultérios! Burle alguns bons costumes e ame! Mas escondido! ...rs

Ninguém vai dizer
Que foi por amor
Todos vão chamar
De derrota
Cícero – trecho da música "Vaga-lumes Cegos"

Comentários

  1. Assista mesmo que o filme é ótimo! seu comentário me inspira a pensar outros spoilers.. afinal devemos divulgar o que é bom, vc naum concorda!? bjs!!!!

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