O parto da minha amiga



Mãe e filha - Elliot Erwitt
“Tanto a mulher
quanto o artista que cria,
precisam padecer para obrar.
Não sentir mágoa ou ter penas,
sofrer ou se atormentar,
mas dar-se ao trabalho, achar que vale a pena,
romper com a rotina, o pesadume, a preguiça;
e tanto um quanto outro
em tudo concentrar a atenção
como se em jogo estivesse sua vida.”

Lebóyer

Citação de Érica Cristina de Souza Motta em seu artigo “Resgate Histórico de Atenção ao Parto: Por um Parto Respeitoso”, que utilizarei como referência na argumentação.

Quando eu disse pra Carol que ia colaborar com o lance da vaquinha e que tinha curtido a idéia dela de realizar um parto domiciliar ela me disse: “finalmente alguém concorda comigo.”

O pior era que, para mim, isso era uma ótima idéia e não passou pela minha cabeça que as pessoas não gostariam de uma atitude tão forte e amorosa, que achariam isso um absurdo. Só quando levei a idéia para a mesa do almoço é que caiu a ficha..rs

Bom, vamos lá.

Por eu ser homem e não passar por essa experiência não vou desembestar aqui a defender uma maneira “tal” de realizar o parto ou defender com unhas e dentes o parto domiciliar. Tudo o que escreverei reflete a minha admiração pelas mulheres e por este acontecimento importante – a gravidez. Então, poupe-me de aguentar contra-argumentos do tipo... ah é muito bonito na teoria, quero ver segurar a bronca na hora H.. Você nunca saberá o que uma mãe sente por seu filho.. etc.

1º - O pedido é para contribuir, não para concordar.
Eu, como amigo, reconheço o pedido da Carol de solicitar apoio financeiro para conseguir realizar este propósito e decidi ajudar. Acho que isso é uma questão de amizade, não de ponto de vista. Alguns disseram que não ajudariam para não se sentirem responsáveis por possíveis complicações que possam ocorrer no parto, assim, acredito que eles pensem que, colaborando financeiramente, estariam patrocinando um “capricho” perigoso para ela(Carol) e para seu filho.  Eu vou contribuir, mas não estou me responsabilizando pela decisão que ELA tomou. Isso seria aceitar que a Carol não é capaz de se responsabilizar pela condução da gravidez, tipo, ela é doida e vai colocar a vida dela e do filho em risco e eu não quero participar disso. Isso pode parecer como um ato de responsabilidade superior, elevado, dizendo com outras palavras: Eu sou responsável, seja você(Carol) também. Eu discordo. Conheço a Carol, já dividimos a mesma republica por áureos anos e acredito que ela é perfeitamente capaz de assumir as conseqüências de seus atos e, principalmente, de amar e fazer o melhor para seu filho. É um pouco estranho parabenizar a Carol pela gravidez e, logo depois, mandar essa de “falta-lhe bom senso e responsabilidade”. Enfim: engravidar tudo bem, mas faça do “jeito certo”..rs

2º - Por que enxergamos o parto como um fato médico?
“Conforme demonstra Spink (2003), a ascensão dos parteiros se deu na segunda metade do século XIX. Desde então, embora em muitos países as parteiras tenham sobrevivido, sua prática esteve subjugada ao poder médico. De acordo com a autora, desse processo histórico resultou o fato de que o próprio parto sofreu uma redefinição: todo parto passou a ser visto como um risco potencial, como se mãe e bebê estivessem sujeitos a desenvolver sinais inesperados de doença. Assim, de um evento natural pertencente ao universo feminino, o parto sofreu um processo de patologização, cujos cuidados estariam sob a responsabilidade da prática médica.”  Cap 2 – Artigo

Eu concordo com a autora deste artigo quando ela narra uma progressiva instrumentalização do parto e no advento, relativamente recente, do parto como um procedimento médico-hospitalar, ligando o fato do parto envolver dor, tensão e medo com o aumento desnecessário de “práticas intervencionistas”. Para a autora existem duas vertentes com relação ao tema do parto:
- a vertente “natural”, de origem européia, enxerga o parto como um processo fisiológico, aceitando as “parteiras” ou “midwives” e estabelecimentos como centros adaptados, a própria residência da grávida ou hospitais.
- a vertente “médica” enxerga o parto como um procedimento eminentemente arriscado, predominante na América, México e Brasil. Aqui a gestante é internada logo que o trabalho de parto se inicia, sendo monitorada continuamente, ocorrendo uso de medicamentos para acelerar o parto e pouco contato inicial do bebê com a mãe, pois este é logo encaminhado para um berçário.

Segundo este artigo, na Holanda cerca de 30% dos partos são domiciliares, sendo que existe um programa do sistema de saúde focado em partos de baixo risco.

Na maternidade francesa de Pithiviers, considerada uma referencia internacional, “As intervenções médicas são realizadas em um nível mínimo e drogas, como sedativos e analgésicos, são consideradas desnecessárias e danosas. Sua experiência tem demonstrado que uma conduta que desmedicaliza o parto, restaura a dignidade e a humanidade do processo de nascimento, e retorna o seu controle para a parturiente, é a abordagem mais segura (DOMINGUES apud ODENT, 1984).”

Eu conheci brevemente uma alemã que trabalha como midwive e perguntando mais a respeito ela começou a dizer que todo o acompanhamento da gestação é realizado por intermédio dessa profissional, não sendo comum o acompanhamento médico. Isso não deve excluir o acompanhamento médico em casos de gravidez de risco, mas já indica uma postura diferente com relação ao parto.

Segundo o artigo, “Aparentemente, tanto as midwives suecas como as holandesas, percebem a parturiente não como uma paciente, cujo parto elas irão realizar, mas como uma pessoa capaz de ter o seu próprio parto. A função da midwife é permanecer ao lado, estar atenta ao surgimento de complicações, encorajar e fazer pequenas tarefas técnicas que a mulher não pode fazer por si mesma (DOMINGUES apud JORDAN, 1993). As taxas de cesariana nestes países são próximas a 10% e a mortalidade materna e perinatal estão entre as menores do mundo (DOMINGUES, 2002).”

Concluindo

Agora, pense no por que de comprarmos uma idéia de que a cesariana é um parto mais barato e seguro, por que aceitamos essa idéia com toda naturalidade? Será que o médico e o Hospital estão realmente preocupados com o bem estar da gestante e do bebê quando fazem essa proposta? Eu não preciso ser um especialista no assunto para perceber que existem outras prioridades em jogo, e que, afinal, ter um parto com hora marcada, onde a mãe está sedada e o contato inicial do bebê com a existência está intermediado por um berçário, pode até ser seguro, mas não é natural, humano. O nascimento está se tornando um procedimento médico, nada além disso. Quase como retirar um siso. Desse ponto de vista a cesariana é o melhor procedimento, sem sombra de dúvidas.

Até quando vamos confundir insegurança com responsabilidade?

Admiro a Carol pela decisão e por ela mostrar que o nascimento é um acontecimento maior. Ultimamente percebo uma “onda” de insegurança que está privando as pessoas, nesse caso as mulheres, de terem um contato franco com a existência – com as dores e desafios que ela abarca. 
Carol, sua atitude fará toda a diferença para o Bernardo e para nós que conhecemos você. 

Referências: http://www.amigasdopartoprofissionais.com/2012/05/resgate-historico-de-atencao-ao-parto.html

Este site é de uma fotógrafa que registra o encontro das mães e seus bebês após o parto, uma beleza: http://www.dfwbirthphotographer.com/home/



Comentários

  1. Japonês.... q texto lindo. Ele reflete muito do que eu penso. Insegurança temos todos, mas até qnd vamos nos privar de viver plenamente por conta dos medos? Porcamente comparo uma cesárea desnecessaria com arrancar um pulmão pois vai q tenho um enfizema... é vc escolher um caminho "mais seguro" contando apenas com a possibilidadr de algo dar errado. Medos tenho vários e hj o meu maior é não poder mostrar pro Bernardo que somos capazes de tudo. e que as dores da vida são, em alguns momentos, preparação pra algo maior.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Muito interessante o ponto de vista. Gostei da parte "o pedido é para contribuir, não concordar" rs
    E não custa nada às pessoas que estão achando a Carol irresponsável um mínimo de curiosidade e usar o google rapidamente... ver um vídeo no youtube. Têm muita informação à disposição. E garanto que quem tiver a oportunidade de conhecer melhor o parto humanizado vai olhar as intervenções médicas com outros olhos. Muito provavelmente chegarão à conclusão que a medicina deve vir pra somar e nunca pra substituir uma capacidade feminina adquirida com milhões de anos de evolução.
    Eu no início fiquei com pelo menos 2 pés atrás, mas agora abraço a causa.
    Com a palavra o pai do Bernardo ;)

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  4. Incríveis! O post e os comentários dos pais!

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  5. fico feliz por ter contribuído um pouco para abrir entendimentos... acho importante construirmos novas perspectivas, ideias - dialogarmos.

    isso é amizade e amor.

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