A odisséia continua.

Última formatura - 22/11/2013
"O mais feliz dos homens é aquele que consegue ligar o fim de sua vida ao início" - Goethe

É isso... acabou.

9 anos depois de minha chegada ao alojamento com minha mochila, calça jeans e camiseta branca, aqui estou para lhes contar que não sou mais militar.

Por quê?

Um dia, não sei ao certo se foi nessa vida, eu decidi ser e falar o que eu acredito até às últimas consequências, inclusive para mim. Estou sendo coerente com meu coração, ainda que isso exija decisões difíceis. Não me furto a possibilidade de tentar realizar meus sonhos, pois acredito nesta alma que Deus me deu e vou com ela até o fim.

Essa resposta é a mesma que eu dou para os que me perguntam porque eu deixei a fé cristã.

A Pati fala que eu saio de lugares que as pessoas não costumam sair. Ela diz isso não porque eu simplesmente "desviei da fé" dando dor de cabeça para meu pastor e pra igreja, sendo indisciplinado, dando "mal testemunho". Mas porque um belo dia eu me reuni com os ministros da igreja para comunicar que eu não partilhava mais da fé cristã.

Agora, quando falo da Bíblia e da fé para as pessoas, falo com o coração - como sempre falei. Seria isso um absurdo, uma hipocrisia? Tipo.. você fala de coisas que não segue, argumenta sobre coisas que não acredita mais - sou um cínico? Eu apenas prefiro ser honesto comigo mesmo. Acho que quando faço isso o que eu falo acaba ganhando espírito... Perguntei para meu pai nesse final de semana... "onde está o espírito que vivifica a palavra?" Isso ocorreu depois que nós conversávamos sobre a monotonia dos discursos, dos hábitos. Existe uma passagem Bíblica que diz:

"porque a letra mata, mas o espírito vivifica" 2Co 3:6

O que é a letra senão a forma pura, o invólucro do "claro e evidente", aquelas coisas que todos acham correto e aceitável? Tipo sair da Aeronáutica pra um concurso que pague mais, arrumar um emprego com estabilidade, ser professor de nível superior, falar mal de Deus com os amigos intelectuais, ou louvá-lo no púlpito da igreja. Falar mal dos políticos... Isso é, em geral, um discurso que cimenta a letra... isso é niilismo. Quem diria que o apóstolo odiado por Nietzsche seria o autor desta afirmação?

Eu sinto meu espírito quando concretizo meus dilemas. Isso poderia ser comparado às epifanias de Clarice Lispector, quando os ovos quebrados escorrem pelas frestas da bolsa de compras. Sinto algo semelhante quando uma experiência não fala mais comigo, quando um hábito não faz mais sentido... algo se quebra e eu não consigo conter essa "vida liberada", não consigo explicar e muito menos voltar atrás.

Você poderia conciliar, dizem. Eu nunca tive este privilégio, porque em minha vida nada que não é verdadeiro permanece, e verdadeiro aqui significa que existe dentro de mim uma pergunta dolorida que não consigo ocultar. Ela não aceita paliativos e nem consigo acertar um acordo. Aos poucos tudo se torna uma busca por descanso e cura, ou alguém com quem eu possa conversar e expressar esse uivo interior. Sinto que aos poucos tudo vai se transformando em uma elaboração em torno deste tema recorrente: a dor.
O San me disse uma vez que o Urano que me doía e que eu lamentava por não me permitir laços duradouros, como ter uma família, era o mesmo que me possibilitava arriscar uma nova vida. O que sobra à foice uraniana são os amores verdadeiros, o que nunca deixa de me surpreender.

Existem coisas boas mesmo, coisas que apenas se revelam em momentos assim, quando me exilo de minha própria vida. Depois que saí da igreja, estava eu em minha vala existencial quando meu pai veio em minha direção e me abraçou, dizendo que compreendia minha decisão. Isso foi totalmente inesperado porque foi ele que me levou para igreja e lá permanece até hoje. Sei que minha decisão foi difícil para ele e minha irmã, que eles ouviam pregações dizendo que "aqueles que negam a verdade depois de a terem aceito não possuem perdão", que a filosofia torna as pessoas descrentes e que eu estou perdido. Mas o fato de eu ter assumido minha vontade de sair não o fez deixar de me amar e de ficar ao meu lado.

Fico feliz pelas pessoas que me acompanham pelos descaminhos e que sobrevivem às minhas despedidas. Vocês são o meu pão da vida, faço tudo pensando em vocês, sempre.

Não conseguiria ser militar se não tivesse a certeza de que isto um dia acabaria. Tenho dificuldades para aceitar que preciso fazer concessões, deixando de lado meus arroubos de mudar o mundo e as pessoas, para realizar algo simples, como trabalhar consertando linhas telefônicas, cumprindo horários e escalas. Essa foi a minha meditação de nove anos. Trabalhar e conviver com coisas avessas ao seu universo interior é um exercício infinito de compreensão e paciência, um tanto angustiante. Por isso, me perdoem os mais próximos que me aguentaram todos esses anos se eu tentei transformá-los em interlocutores, é que eu preciso de uma conversinha de vez enquando, pois sinto saudade de minha língua materna.

Meus amigos próximos não entenderam porque me tornei crente, minha família achou que eu não duraria um mês no quartel e o diretor do meu cursinho se desapontou quando descobriu que eu queria fazer filosofia...rs Acho que o roteirista da minha vida saiu de férias e deixou o estagiário terminar o serviço.

É espantoso viver. A vida se torna mais espantosa quando conseguimos aceitar o fim que acompanha todas as nossas ações, ela ganha um sentido justamente no momento em que reconhecemos nossas limitações, pois isso abre uma fresta em nossa alma que permite a brisa do tempo arrastar as coisas velhas, trazendo novas sementes e novas esperanças.

"E o discurso não seria completo, se cada palavra, depois de pronunciada, não morresse para deixar lugar a outra." Agostinho

Em breve nada mais terei que minha mala, meus livros e minha câmera.
Me espremo tentando dar um rumo pra tudo isso, acho que quando eu não estiver mais aqui tudo fará mais sentido.

Um dia senti uma dor aguda quando esperava a van pra ir fazer a prova do concurso de sargento, era de madrugada e passou um homem de bicicleta testemunhando a maior solidão da minha vida. Acho que este momento me doeu porque de alguma maneira ele prenunciava o tom que iria reger todo este percurso existencial.

Aos poucos vou me despindo de tudo... das folhas, das conveniências, resta-me apenas alguns galhos secos.

Amo. Nada tenho mais a oferecer.

Au revoir amigos!

Obrigado pelas horas compartilhadas e por darem corda aos meus devaneios.





























Comentários

  1. Avante, Odisseu!!
    Que nenhuma ilha te segure, que nenhum ciclope te engula!
    Reencontra teu início no teu fim e toma de volta o que é teu!!
    Vou estar sempre do teu lado, amigo!

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    1. Cara, retomei minha leitura da odisseia hj... e naum consigo parar! uhaihaihaiuah um abração!

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  2. Meu amigo!
    Desejo a você muita felicidade e força, para que consiga o sucesso que tanto almeja. Essa nova fase será apenas mais um desafio, dos vários que encontraste pelo caminho.

    Um grande abraço!

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    1. Grande piroquinha69! hiauhaiuhaiuhaiuhaiuhaiuhai
      aiai
      sua colaboração é incomensurável! não somente pelas palavras, mas tambem pelas gargalhadas

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  3. Grande Japa, fico feliz pela sua felicidade.
    Irmão, tenho certeza de que a vitória está na sua trajetória.
    Fica um abraço saudoso. Nossas corridas foram show de bola...

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    1. Aquelas corridas foram show de bola! Continuemos nossas corridas em outras paragens e um dia tenho certeza que correremos uma maratoninha... fica a ideia!

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  4. Felicidades meu querido... boa jornada para o infinito dentro e fora de você.

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    1. Obrigado pelos votos e pela energia positiva... deusa dos mares! bjs!!!!

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