Importante é a ternura

Cena do filme "Amores Brutos"- Google imagens

Dia desses li a coluna do Ferreira Gullar, foi ótimo! Explico

Ele possuí uma desenvoltura que as vezes reverbera mais em alguns textos que em outros. Nessa última coluna sobre "frases de efeito", gostei de suas palavras quando dizem que uma vez ele discutiu com a mulher, e que, apesar de "ter razão", ficou triste pra caramba, não valeu a pena ter razão. Ele comenta que todos os envolvidos na questão palestina reivindicam ter a razão e que isso os impede de encontrar um acordo. Por que não deixam eles de ter razão e acertam logo um acordo de paz?

Quantas intermináveis horas perdemos tendo razão? Difícil quantificar.

Ter razão é o diabo, ou melhor, a falta dele..rs

Conversando sobre feminismos e machismos com uma amiga do francês, chegamos em um ponto em que ela me falou: "não quero que você pense que eu sou uma feministzen" ou algo assim..eu perguntei: o que é isso? Ela explicou que é uma mistura de feminista de nazista.
Depois ela me perguntou o que eu achava de tudo isso...

Eu entendo as "feministzem", porque vivemos em um ambiente meio adverso às minhas deusas, o que exige uma certa assertividade para manter um ponto de vista íntegro, original. Não é um tarefa fácil ser uma garota interessante e autônoma enquanto vigora um modelo de sexualidade pautado numa submissão do feminino, é correr na contra mão e se arriscar a passar por muitos desencontros.

Também entendo as que se adaptam e que tentam se enquadrar, os que são machistas e nem sabem que são, e todos os que nunca pararam para pensar nisso.

 - O que é importante para você?
 - O importante é ter ternura.

Ela começou a rir

 - Imagina você dizer isso para uma feminista " tenha ternura"!? Mais risos

Daí eu lembrei do artigo do Ferreira Gullar e disse pra ela que as pessoas costumam se desentender, mas que isso não vale a pena.

Ontem eu vi "Amores Brutos" do Inãrritu, o filme é punk. No começo eu fiquei puto por ter muitas cenas sangrentas, violentas, sexuais, sujas... Pensei: mais um filme sobre a Realidade latina que me enfia goela abaixo um monte de absurdos de pobreza e privação. O que eu gostei em Inãrritu é um cinema que suspende um pouco o juízo, que não transforma a vida numa caricatura... ele tenta retratar lascas de uma realidade complexa e seus desdobramentos. Mas continuei puto..rsrs

No decorrer das cenas você pode perceber a violência escorrer da trama junto com o sangue dos personagens, ficando claro para mim que o amor engendra o ódio, facilmente se perdendo em uma familiaridade com o conflito. Nos perdemos porque pensamos que o amor é diferente do ódio, assim, aceitamos abdicar de porções cada vez maiores de carinho e afeto, aceitamos descartar nossas famílias, deixar tudo de lado, relativizamos nossos valores, DRs sem fim, acabamos odiando tudo - por amor. O amor aqui é um sentimento asfixiado pela violência abafada, subterrânea e periférica.

Do outro lado destas experiências sanguinolentas, temos as pessoas que querem inaugurar uma espécie de "vivência carinhosa", convivendo em ambientes regrados a muito contato afetivo, sem aquele "interesse" egóico que costuma embalar nosso dia-a-dia nos metrôs com olhares blazês... vi isso numa matéria da Trip com um monte de gente peladão, sorrisos, corridas pelo campo e é claro uma boa nadada na lagoa... nu! Isso é catártico. Acho que nadar pelado numa lagoa é a experiência diametralmente oposta à que eu vivo nos meus dias de chumbo.

Eu ando meio avesso a esse tipo de coisa, justamente porque procura ocultar nossa violência, essa que habita embaixo de nosso assoalho.

A violência vigora porque não a reconhecemos em nós e isso não permite que a ternura tenha lugar. Apenas quando acolhemos esta ferocidade interior é que podemos reabilita-la, dando a ela um destino menos "bruto". Aí eu acho que nosso amor ganha tons mais afetuosos e que a ternura poderá, então, florescer.

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