O amor pelo ralo

Foto de um jornal chamado Paraonline, e mostra um pouco do que eu via todos os dias em minhas andanças pela Marginal.

O amor é o imponderável, certo? É o brilho do nariz, aquele relâmpago que corta nossas vidas medíocres, que despedaça árvores e incendeia as florestas incautas de nossas frustrações. Amar é tocar(o foda-se) uma transcendência, é fazer sem saber por que... uau!

As vezes eu não entendo por que precisamos fugir assim, tão desesperadamente, do planejado e do rotineiro. Por que todo romance tem que ser único? Uma fagulha transcendental que tira nosso fôlego, e nos arrebata a uma experiência sensibilississimamente power e diferente de tudo que já vimos...

Quando eu vejo textos e filmes que tentam repetir esse mantra eu me lembro do rio Tietê. Eu sempre me perguntei porque ele precisa ser tão poluído, tão fedido, horrível e, talvez, pudesse responder essa pergunta com outras respostas manjadas, tipo: o Tietê é poluído porque não temos estações de tratamento do esgoto e a população de São Paulo é enorme... Alias, pior que o rio Tietê é o Pinheiros, ele tem um cheiro que eu nunca consegui definir.. tipo um feijão com cocô e quisuco, sei lá.

O que ocorre mesmo é que o rio Tietê não faz parte da nossa vida e com ele vai tudo que não faz mais sentido, nossas merdas, aquilo que produzimos sem querer, os restos de nosso way of life, vão parar no ralo, ou melhor, no Tietê.

Alguém ai já tentou reproduzir em vida um romance power? É bom, mas é insustentável né? Com o tempo as coisas começam a desandar e quando o caldo entorna você se sente dando braçadas no meio do Tietê. Pois é, as pessoas realmente acham que o Tietê está lá... longe e fedido, mas o rio é algo mais. O rio passa em nossas almas e, felizmente, não existem pontes... amar é atravessar este rio.

Nós acreditamos que o amor é a desrazão porque nossa alma está poluída e ainda não enxergamos isso. Poluída com uma crença impertinente de que nossa identidade pode autonomamente(existe essa palavra!?) constituir uma realidade própria, suspensa pelo fio da razão, o que, como processo, deixa dejetos em nossa alma.

Pense no inconsciente... normalmente relacionamos o nosso "lado b" com nossos traumas, aqueles impulsos infames, com aqueles sonhos caóticos-eróticos-violentos, tudo isso nada mais é que uma "vala comum" de uma vida cada vez mais planejada e ponderada. O inconsciente, acredito, é algo que supera esta função de mero suporte, de referência longínqua, exótica...avalio pelas minhas experiências que o "inconsciente" ainda existe como algo distante, assunto para acadêmicos, ou seja, ainda vigora sua função de ralo.

Quando amamos, temos uma oportunidade de expressar, ou acessar, esse mundo afetivo que nos perpassa. O que não deixa de ser algo tortuoso, pois nosso corpo afetivo anda muito mal tratado.

Esse amor arrebatador quer nos transpor para a outra margem sem tocar as águas de nossa afetividade pantanosa, ele se imagina ascética ponte entre o Eu e Você. Nesse ponto o amado nada mais é do que visão agradável de uma paisagem que não pisamos, o ser amado quebra nossas expectativas de maneira positiva, quebrando assim, daquele jeito, tipo quando os mocinhos vencem e ainda assim foi um filme diferente..rs É o inesperado dentro do esperado. Tem a Jennifer Lawrence dançando com roupa de ginástica, mas nunca um Marlon Brando mandando brasa nas portas dos fundos com uma manteguinha do café da manhã.

Seria o amor o contrário disso? Algo menos arrebatador e um pouco planejado.. tipo Badoo? Eu não penso assim, nada contra os dialéticos ou os que usem o tal aplicativo. Ando preocupado com nossos leitos afetivos, nosso mundo interior abandonado. Isso nos deixa perdidos e em uma situação complicadíssima, veja que buscamos o caminho de volta e queremos rápido, sem Cilas, Caríbdes, Ciclopes, Treme-Terras... Logo que encontramos Calipso nos forçamos a esquecer Penélope, tentamos transformar o amor em prazer puro e paramos em uma ilha que nem os deuses costumam visitar, tão isolada sua localização. Essa narrativa se aproxima muito de nossa condição atual, diferindo em que nós nos queremos desmemorados, enquanto Ulisses chorava todas as tardes pela pátria itácia.

Os príncipes encantados morreram, meus amores, não pelas mãos dos homens cafajestes, mas porque estamos desterrados do lúdico e seguimos despejando em nossos leitos o que não nos serve, forjando uma existência pautada em um isolamento delicioso(esse amor arrebatador ilhado). Ainda não nos demos conta que aquela natureza que se finda(que queremos imbecilmente salvar) poluída e fétida é a mesma que constitui nossa vida interior.

Adoro filmes românticos pastelões, antes que você me pense um cético do coração... apenas faço as vezes de Circe, escrevendo coisas erradas até que alguém não caia.

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