O Eu que floresce


Ah... o amor! Nada é mais necessário do que o amor.

O amor espalha pétalas sobre o concreto de nossas certezas. Essa ideia arraigada de Ser que se constrói sobre a submissão do Outro está com os seus dias contados, o poder é ilusão solitária. Digo isso porque nosso valores estão infelizmente ligados a uma ideia de poder. Acreditamos desde o inicio submeter a natureza pelo conhecimento e nos sentimos superiores, tão superiores, que o Eu germina. O Eu é uma ilusão rarefeita, gosta das alturas, gosta das formas... ah o 2+2=4! Existe coisa mais doce do que uma certeza lógica?

O Eu é essa pedra triste que diz onde a casa começa e termina a rua. O Eu existe junto com uma ideia de que somos sempre os mesmos e que o tempo não nos toca... assim como 2+2 será sempre igual a 4. Depois começa o ciclo de negações, afinal 4 é diferente do 5,6,7... O Eu se relaciona pela diferenciação e pelo controle, não consegue ser sem se reproduzir - infinitamente. Assim dominamos o céu, o mar, as doenças visando um "bem estar", transformamos o mundo em um índice de nós mesmos.. e isso não pode parar nunca, pois parar significa não-ser, quando paramos de dominar nosso Eu deixa de existir, já que a identidade é em si uma violência, uma sequencia infinita de negações.

"Foi Simone Weil, acredito, quem definiu o poder como força que transforma uma pessoa em uma coisa. Eu poderia definir o amor como uma força capaz de transformar uma coisa em um ser humano." D. Suzuki

Essas pétalas que cobrem a rua, a grama, as pedras, o que é isso senão o amor? Essas delicadas verdades cobrem a superfície de nossas certezas... elas dizem: agora somos um. No dia seguinte, o sol seca toda a sua beleza e o vento se encarrega de transportá-las para o nada. A ilusão do amor dura um segundo, mas seu poder reverbera alem do que jamais alcançamos e isso porque a vida toca a rede de infinitas relações que a sustenta. O poder do amor não se realiza sobre a forma que se perpetua, mas se estabelece sobre o reconhecimento do Outro, o amor é o relacionamento de todas as coisas... assim o tempo se torna uma projeção positiva, não mais um dilema fatal.

"A noção de poder se desenvolve inevitavelmente sobre uma dualística interpretação da realidade." D. Suzuki

Não podemos criticar a violência sem nos lembrarmos que nosso Eu se alimenta da eterna destruição do Outro. Nossa ideia clássica de verdade como "correspondência" entre uma ideia e um objeto é a expressão dessa bélica teoria das ideias... miramos a realidade desde a modernidade, atiramos postulados, leis, expressões. Pulverizamos a vida com um prazer ingênuo para segundos depois lamentar o deserto de nossas almas. O homem racional é um atirador solitário. Quando ouço a frase "precisamos salvar a natureza" eu sinto uma tristeza dupla, já que esta humanidade que se acredita capaz de salvar ainda não percebeu que a natureza é tudo... inclusive o homem. A natureza que precisa ser salva já está, no seio desta dualidade, morta.

"quão insípida se torna a realidade humana quando os deuses se retiram! ...Então, nem a terra será sólida nem o mar navegável; as estrelas não cruzarão o céu e o curso do firmamento será abalado. Toda palavra divina silenciará. Os frutos da terra apodrecerão e o solo será exaurido; e a atmosfera se converterá em sombria inércia." Hermética

Algumas pessoas ainda acreditam que o ceticismo é uma consequência logica da evolução humana. Para mim o ceticismo é um sintoma, um sinal que estamos exauridos, de que nossas ilusões científicas tombarão vazias de vida em um curto espaço de tempo. Quando transformarmos tudo numa coisa e destrincharmos a vida que nos permeia a ilusão do poder se consumará pela destruição de tudo.

"De todos os valores espirituais que podemos conceber e desejar nenhum é mais necessário do que o amor" D. Suzuki

Este valor positivo que o amor carrega, está projeção perfumada que plenifica o instante é o amor que cria janelas no petrificado Eu, reconectando-nos com o rio fundamental da vida.


  
 

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