Um capítulo de Simone Weil

Simone Weil

    Venho pensando sobre um problema já há alguns anos, coisa que me aperta o coração todos os dias, mas ainda não consegui colocar em palavras. Vou farejando, encontrando sinais, ideias, amigos e autores que me ajudam a clarificar as coisas. Esta é uma procura que segue paralela a minha vida pessoal há tanto tempo que fica difícil me explicar, portanto vou deixando umas marcas pelo caminho - este humilde blog - para saber como voltar para casa.

    Nestes últimos dias encontrei um ponto de apoio aqui em Toronto, a Toronto Reference Library. Uma ótima biblioteca onde consigo encontrar uma diversidade enorme de assuntos e autores... tudo isso apenas caminhando. Eu gosto de pesquisar pela internet, mas prefiro andar pelos corredores e olhar as orelhas dos livros, sentar no chão e ler um prefácio. Após uns quinze minutos, escolho dois livros e levo pra uma mesa, dormindo um pouco, tipo uns dez minutinhos. Depois de "pescar" em cima de uma página, de rodar um parágrafo umas mil vezes, eu começo a ler pra valer. As pessoas até riem, mas eu já estou acostumado.

    Ontem parei sobre a querida Simone Weil, por uma dica que recebi semana passada do D. Suzuki. Queria encontrar uma obra que falasse de espiritualidade, algo que escapasse aos comentários filosóficos de costume e acabei decidindo pela obra "On Science, Necessity, and the love of God". Encontrei um capítulo bem interessante em que ela comenta o impacto das descobertas científicas do século XX, mais especificamente a obra de Max Planck. Ela começa a comentar a clássica ideia de energia, como os físicos antigos relacionavam o conceito de energia com a posição de um corpo, vinculando energia ao "trabalho" que realizamos para deslocar um objeto e de como quantificamos isso utilizando parâmetros como espaço, matéria e tempo. Por isso a unidade de energia possuí estes três elementos em sua composição: 1J=1kg.m²/s². Até que Max Planck descobre o quantum estudando a matéria negra, relacionando energia e modelos matemáticos, desenvolvendo um campo conceitual totalmente alheio ao antigo conceito de energia.

    Essa ruptura é analisada juntamente com os escritos de Max Planck e para resumir, Simone Weil diz que a maior parte do que Max Planck escreveu não tem nada a ver com ciência, uma serie de opiniões simplistas a respeito de temas como deus, realidade, coisa que a gente encontra hoje com o nome de "Super Interessante", aquela revista que cientificamente esculhamba tudo. Isso porque o espírito científico anda abusando de um monopólio da verdade, abusando tanto que frequentemente nos deparamos com coisas bem estranhas, mas que poucos ousam questionar, afinal o cara é Einstein! As "rupturas" científicas não refletem uma genialidade, segundo Weil, mas um descaminho, um desvio, fruto de um pensamento unilateralmente matemático, coisa que acontece porque os tais cientistas convivem em uma "vila de iluminados", descolados da realidade cotidiana.

    Comecei a pensar sobre isso a alguns anos atrás lendo o Era dos Extremos do Hobsbawn. Em um capítulo que ele comenta as consequências políticas dos avanços científicos existe uma pergunta: você acredita que a bomba atômica foi um resultado inevitável do avanço científico? Ou um absurdo político viabilizado por um grupo de cientistas? Para Simone Weil, acreditamos que a ciência possui o monopólio da verdade e essa crença começa a trepidar diante das consequências históricas e da pulverização de seus conteúdos clássicos. Sem Deus e sem ciência... o que vem depois?

" Nesta presente crise existe algo comprometido que é infinitamente mais importante, até mesmo que a ciência; é a ideia da verdade, a qual vem sendo estreitamente relacionada com a ciência desde o século XVIII, especialmente no século XIX. Esta associação é muito equivocada, mas o habito persiste entre nós. O desaparecimento da verdade científica aparece aos nossos olhos como o desaparecimento da verdade, graças ao nosso habito de confundir uma com a outra. Assim, a utilidade se torna algo que nossa inteligencia não é mais capaz de julgar ou definir, resta-lhe apenas servir. Antes o árbitro, a razão se tornou submissa, recebendo suas ordens dos desejos."

"Isto é onde estamos hoje. Tudo é orientado de acordo com a utilidade, a qual ninguém pensa ou define; a opinião pública reina suprema, tanto no vilarejo dos cientistas quanto nas grandes nações. Podemos pensar que voltamos a era de Protágoras e os Sofistas, a era em que a retórica - cujo equivalente moderno são os slogans, publicidade, os jornais, o cinema e a radio - toma o lugar da razão e controla o destino das cidades, patrocinando Golpes de Estado." Simone Weil.

    Ainda não tinha encontrado um pensador que conseguisse colocar em poucos parágrafos o que me inquieta há anos, simples assim. Essa Simone Weil é muito foda, isso sem contar sua história... coisa que deixo para um próximo post.


Comentários

  1. Muito bom!! Vou pesquisar essa mulé...
    Retomei a leitura do seu blog! Agora vou retrocedendo, acho q perdi uns 6 posts!!

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    Respostas
    1. Opa.. já tinha esquecido de olhar os comentários! hahahaha
      Vc eh sempre bem vindo parça!

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