a virtude da fundidade

desde muito cedo
aprendi a carregar coisas
com minhas mãos
nas costas ou nos ombros
suportava prazeroso
a matéria, às vezes líquida
outras sólida
de meus encontros

sempre acreditei
que as coisas eram de se carregar
me alegrava em dizer não
ao peso de um balde d'água
e tudo aquilo balançava
escorregava
me fazia tropeçar
no relevo das raízes

um dia
passando por uma ponte
orgulhoso, com uma pedra enorme!
transpassei o piso
que ria de meu espanto.
e não muito depois
afundava nas águas escuras

abraçado à grandeza mineral
inseguro, contemplava a superfície
se distanciar
e tudo ficar mais escuro

angustiado pela tendência
de profundidade
me debati, convulsivo e
num supremo sacrifício
mantive minha rocha com apenas uma das mãos
enquanto a outra remava
e meu corpo
contorcido
se despedia em gritos gasosos

o vazio escuro
das profundezas
me constrangeu
era amplo demais!
saindo de meus olhos
de meus ouvidos e de toda epiderme
infinitas e dolorosas perguntas

derradeiro esforço
tentando conter a erupção
de minhas entranhas duvidosas
deixei escorregar
meu peso
caindo de volta
às margens de minha superfície







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