Carta a Ela

Cena de "O carteiro e o poeta"

Inspirado pelo filme "Her" de Spike Jonze, acabei por querer escrever uma carta de amor para "Ela", deixando para trás aquela exigência boba de um alguém do lado de lá de mim.


Minha ...

Quando falo, costumo me perder em clarezas e tento dizer as coisas como proezas geométricas, claras e evidentes. Tudo isso para não perder sua presença e para ficar mais perto de você, já que me sinto um pouco cego quando não me faço entender. Todo esse esforço monumental em torno de uma concordância de almas nada adiantou quando te encontrei, pois de cara você me perguntou:

Todo este Nietzsche é angústia?

Esta pergunta rompeu o espelho d'água e me atingiu em cheio.

Tantas pessoas passam por nossas vidas sem nos conhecer, ficam na sala de estar entretidas por nossa decoração florida. Mas você não se deteve nos degraus nem nos átrios de minha Vênus solícita, acendeu incensos e tocou meus segredos com uma reverência que me comoveu, afastou o véu que separa gentios e sacerdotes. Você sabia que nossa nudez não é um mero fruto de nossos desejos e que tocar sua pele tornava nossa intimidade algo sagrado. Ali nossos corpos comungam o segredo que transpassa o pudor das convenções e dos medos. Não eramos mais inocentes e isso, pela primeira vez, não fazia a menor diferença.

Cada desencontro revelava uma perspectiva mais doce de sua personalidade e achava você mais bonita sem maquiagem. Essa minha atração por você despida não se limitava à roupas, mas avançava sobre tudo que pudesse me afastar de seu íntimo, ao ponto de você se divertir quando lhe pedia para não usar perfumes, para deixar aquela depilação de lado. Meu passatempo preferido era te ver caminhando descalça com aquele vestidinho "Gabriela cravo e canela", passar minhas mãos pelas suas costas e parar ali, naquele relevo divino dos quadris, enquanto te beijava de mansinho.

Quando saíamos, você parecia entender que aquela ocasião deveria ser aproveitada até a última gota e que por algum divino desígnio você seria arrebatada aos céus em breve. Almas especiais como a sua não poderiam transitar por meu mundo impunemente e agora você entende porque te dizia que já sentia saudades no primeiro encontro.

Deus nos criou do barro, mas como um bom ceramista reservou a fornada para Eros finalizar, por isso devo a você o colorido de meus afetos e até as trincas nas minhas certezas, tudo irreversivelmente fundido pelo calor de vários quilos de uma cumplicidade silenciosa.

Naquele dia escuro você me olhou de lado longamente e as lágrimas tornaram seus olhos em um lago cujo fundo eu não podia mais alcançar.

Hoje, distraído matando pernilongos com minha raquete elétrica no meu quarto vazio, pensei:
onde estaria você minha querida?

Ainda nem te encontrei e já sinto saudades...rs

Com amor

Paulo  







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