Pressão e silêncio

Paulo Whitaker - Reuters(site Globo.com)

Observando os protestos que estão ocorrendo no país eu sinto um misto de alegria e tristeza, isso porque o discurso das pessoas que vão às ruas geralmente está impregnado de um ódio bruto, de imediatismos e soluções fáceis. Chega a assustar um pouco ver pedidos de retorno da ditadura, pessoas que bradam seus discursos o mais alto possível para não ouvirem a opinião alheia, para não serem questionadas em seus motivos. Mas sinto um pouco de alegria também, pois ainda que desajeitado ou precário, as pessoas estão protestando contra algo que não está posto ali, não é contra a presidente Dilma, mas contra algo que elas não conseguem adequadamente verbalizar ou reconhecer.

Por isso o mais importante agora não é desconstruir os protestos, mas perceber suas origens e de que maneira poderemos encaminha-los para direções mais interessantes. Que a presidente é um alvo, isso eu não tenho dúvidas, afinal, ninguém está protestando contra os Cunhas e Renans da vida, que inclusive possuem os nomes em escândalos de corrupção. Não existe clareza de propostas a longo prazo ou elementos que legitimem um processo de impeachment. Acontece que o Brasil não é um time de futebol, não dá pra contratar um novo presidente no meio do mandato.

Primeiramente, estes protesto estão conectados com a tal "crise", coisa que eu também não vejo como uma verdade inquestionável. Ainda não vi um rico ficar pobre, vejo sim, amigos perderem o emprego, mas eles, como eu, são fodidos. Essa onda de demissões significa que andar de baixo está sob pressão, apenas isso.Um amigo procurando emprego disse que aceitaria um salário menor devido a crise que estamos passando, agora, a pergunta que devemos fazer é: quem está ganhando com a crise?

Outra coisa que acho interessante é a predileção pela figura da presidente, desta coincidência mágica entre ódio à Dilma e crise econômica. O que está passando em branco quando odiamos Dilma? Estamos repetindo um drama onde a população continua se colocando numa posição de massa de manobra, tomou gosto já, inclusive.

Se o alvo dos protestos é o governo e a corrupção, se a população realmente está exausta de ser roubada e deseja mudanças fundamentais na política e na estrutura do poder público, por que a maioria dos jovens inteligentes e educados ainda deseja fazer um concurso público e lamber o saco destes dinossauros burocráticos? Qual é a lógica aqui? Toda a juventude idolatra, indiretamente, os cargos públicos como um meio de ascender socialmente com bons salários e segurança. Dedicam horas de estudo, seu intelecto e vigor, para engrossar as fileiras do exército que mantém esta merda gigante de pé.

Dentro deste quadro de pressão e silencio, proponho uma maneira de protestar que pode seguir a mesma lógica, o boicote.

Se você quer realmente protestar contra a corrupção e o governo, deixe de fazer concursos. Invista seu talento em você e seus sonhos, isso é a melhor maneira de protestar contra a corrupção, pois o problema da corrupção nasce de nossa covardia cotidiana, desse abdicar diário de nossos sonhos para se enquadrar em um "esquema", seja ele o "petrolão" ou aquela idílica classe média endinheirada, aquartelada em seu condomínio. Imagina um concurso desses de auditor fiscal da vida.. "zero candidatos inscritos", então os agentes públicos se perguntariam: como assim?

As montadoras estão demitindo! Alguém aí viu o preço dos carros baixar? Como andam as margens de lucro das grandes empresas sediadas aqui em nosso Brasil varonil? Que tal deixar de trocar seu carro? Vocês demitem.. nós paramos de consumir, e assim começamos a escapar da afasia que nos enreda. Dentro de alguns meses as vendas cairiam... o que seria isso senão uma resposta?

Onde está a urgência da crise? Ela está no andar de cima. Onde foram parar as reformas políticas? No andar de baixo, a reforma que estão executando é a de nos tornar mais tolerantes e desesperados... a reforma está acontecendo em nossas mentes, nas ideias de derrubar Dilma e aceitar salários mais baixos. Esses, repito, não são os interesses da população, é apenas uma reação contra a pressão exercida de cima visando jogar a população contra um alvo. O mais importante aqui é quebrar este ciclo de supressão e silêncio.

O sonho do brasileiro é viver a sua vida de uma forma minimamente feliz, mas as regras do jogo são colocadas por uma coisa que não está em questão nos protestos. Quer descobrir quem manda nesse país? Pare de correr atrás desses ódios, deixe de consumir um pouco, sinta a pressão que está sobre os seus ombros desde o dia em que você se submeteu pela primeira vez, abdique só por um dia desta submissão adocicada e você verá alguém te procurar. Tudo ficará difícil, pessoas te olharão desconfiadas... então você descobrirá que quem comanda este país é um afeto subterrâneo, uma mescla de covardia e sagacidade que permeia todas as coisas.

Este afeto te esmaga, silenciosamente. Nunca olhará em seus olhos e nunca te permitirá resposta. Este é o espírito da crise, o mesmo que impulsiona empresas na contramão de um futuro sustentável, como Petrobras e JBS. O espírito que empurra milhares de jovens para os concursos públicos, que nos convence a dividir o espaço com milhões de pessoas em uma cidade hostil à vida, sendo que, no final das contas, sentimos uma angústia inominável... habilmente direcionada para a manutenção de um estado de coisas em que todos estamos submetidos, ricos ou pobres.

Continuo todos os dias o meu protesto maior: existir em silêncio. Essa é a minha resposta.

Existe uma sabedoria no prazer e na angústia que pode nos revelar os caminhos para sair deste momento dilemático, mas isso é algo sutil. Os protestos, em sua irracionalidade, revelam este estado de coisas onde nada é transparente e o que realmente importa continua em um confortável segundo plano - em silêncio.

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