Sai pra lá, eu não sou um indivíduo

Monty Python's Life of Brian

"Espera-se que encontremos uma forma de escapar aos embaraços dolorosos da modernidade - como indivíduos corajosos, audazes, autossuficientes, conscientes e capazes de correr todo tipo de risco. Quem se importa com o fato de você ter nos advertido tantas vezes de que não há soluções locais para problemas produzidos globalmente, e que os indivíduos não podem agir como uma resposta viável e suficiente a desafios sociais e políticos que se tornaram parte de nossas vidas por acidente e capricho da história, e não por escolha consciente?" Leonidas Donskis - Cegueira Moral

Esse desabafo acima citado reverberou fundo pelos cantos de minha alma, justamente porque coloca uma questão que até agora não tinha ficado claro o suficiente para mim: como dar conta sozinho de uma questão coletiva - social - histórica? Isso tem me incomodado enormemente pois percebo uma certa cultura de aprimoramento individual, uma visão de que o sucesso é uma questão de marketing pessoal misturado com auto-ajuda, coisas que o autor, juntamente com Zygmunt Bauman, percebem como uma confluência do senhor e do escravo interiorizados na pessoa do trabalhador moderno.

Nós estamos exaustos, "batendo pino", depressivos, angustiados e ainda nos preocupamos em como ser pessoas mais produtivas e aceitas socialmente. Quanto mais tentamos ser conscientes, buscando conhecer as causas dos problemas da contemporaneidade, mais nos sentimos angustiados e culpados. Assistimos quilos de documentários e acabamos chorando em algum canto sem saber o que fazer para conter o avanço do desmatamento ou do aquecimento global. Coisa barra pesada acontecendo diante de nossos olhos, trabalho escravo e o escambal e eu aqui levando essa vida de choppinho, fritas com bacon! Que grandessíssimo filho da puta que eu sou. 

A verdade é que eu não posso resolver essas questões sozinho, ninguém pode. Não é uma questão de "self improvement", algo que possamos resolver com um tutorial de dez passos. As questões que nos assaltam diariamente são enormes, não são apenas variáveis aguardando que uma genialidade um dia as equacione, pois estão além de nossas possibilidades enquanto indivíduos. Deveriam ser tratadas em um outro nível, no nível político e coletivo, não com a frase do Cocteau. 

Uma imagem me vem a mente... filhotes buscando as tetas de sua falecida mãe, assim somos nós indivíduos modernos diante da política. Tateamos um corpo cuja presença não possui mais vida. O que nos resta do fato social são apenas seus fantasmas.

Não seria nosso protesto sem pauta o convulsionar de um corpo já morto? O olhar vago do náufrago não seria um olhar apartidário? O que fazer quando a política se torna um departamento do capital financeiro e nossas vidas são números prontos a serem descartados diante de qualquer eventualidade? Qual revolução ainda é possível? Qual praça poderemos ocupar para dar conta disso?
Devemos agir rápido, pois o capitalismo autoritário está entrando na moda...rs

Cada vez mais percebo sofrimentos que não são apenas questões pessoais, mas ausências do coletivo sob várias formas, da família ao governo, o coletivo praticamente não existe mais. O espaço do coletivo meio que foi terceirizado, alias, acredito que o primeiro caso de terceirização foi o da sociedade e nada nos resta além de atualizar funções de consumo, sustentando uma camada da sociedade que está muito bem, onde sempre manteve... bem longe de tudo isso, comendo comida orgânica e praticando um ativismo de final de semana pra aliviar a culpa.

Até quando vamos querer ser ricos? Até quando isso será algo admirável? Tipo...geramos empregos? É isso? Uma crise econômica seria o caos? Eu adoraria viver um caos de fato, pois já convivo com um caos emocional e de valores desde que pisei nesse plano, nunca concordei com esse planeta e aguardo ansioso o dia em que ser rico será algo vergonhoso, ridículo sabe? País rico é o caralho, eu quero que o primeiro mundo se exploda junto com seus drones. 

Não me creio socialista, pois a sociedade é um corpo que cheira mal. O que me resta? A fé à beira do abismo, uma fé tensa e doída, mas agora pelo menos é uma fé. Deixo de lado o bastão e a cenoura, nunca fui fã de auto ajuda e não quero mais encarar as questões da humanidade como se fossem minhas. Nada de responsabilidade existencialista, não me chamo Atlas, ando recusando até ser um indivíduo. 

"Brian, um jovem de Jerusalém confundido com Jesus, acorda após uma deliciosa noite com o objeto de sua paixão e aparece nu na janela. É saudado pela multidão. Desesperado, tentando se livrar do som e da fúria daqueles crentes fanáticos, Brian diz: Mas todos vocês são indivíduos! Todos vocês são diferentes! Sim, somos todos indivíduos, repete a multidão. E uma única voz replica: Eu não sou."    Leonidas Donskis - Cegueira Moral

Quais certezas me restam? Difícil responder, mas como disse um pensador (creio Cioran):"se passamos por essa vida sem nos questionar, é porque não entendemos nada". Devemos nos posicionar e cuidar para não fitar os dilemas do presente como uma questão individual, evitar nos tornar uma estátua de sal, pois é difícil não olhar para a situação dramática em que vivemos sem nos embasbacar.

Perguntinhas bestas que me afloram... até quando vamos manter, como sociedade, uma posição lactante com relação a natureza e o cosmos? E o que faremos nós diante de nossa inflação moral e de uma política que insiste em nos decepcionar todos os dias? Pensando o conto de "Bontzie o silencioso", cheguei a uma ideia durante uma aula... e se tudo nesse mundo não é motivado por uma ideia ridícula, um desejo besta, algo que confessaremos constrangidos diante do juízo final... para vergonha de Deus e de seus anjos. 

Desculpa aê Deus..Não estou à altura do momento.       

 



 

   

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