Um Tango Entre a Vida e a Morte
“Normalmente a solidão vem de uma desconexão com partes de nós mesmos. Nós tentamos procurar essas partes em outras pessoas, mas existe uma diferença entre se sentir separado das outras pessoas e sentir-se separado de si mesmo.”
A escritora Diane Ackerman trabalhou em uma rede de atendimento para pessoas que estão passando por um desespero muito agudo, uma espécie de “call center para suicidas” e dessa experiência ela escreveu este livro do qual eu apenas acessei algumas citações no site Brain Pickings, gostei e decidi compartilhar. Alguns amigos de curso queriam debater o suicídio, já que este assunto é um pouco inevitável quando se trabalha com a psique humana. Por isso coloco este post para vocês meus queridos, vamos falar sobre o suicídio.
“Só existe um
problema filosófico realmente sério: é o suicídio”
Camus
Entendo que
Camus colocou o suicídio como problema dos problemas considerando um momento
histórico que tenta se pautar por uma legitimidade racional, mas por que o
suicídio seria um problema filosófico? O suicídio se torna um problema
filosófico incontornável quando abraçamos a pretensão de viver racionalmente, e por quê? Matar-se, dar cabo da própria vida, pular da ponte... Sempre será a
variável final do calculo absurdo, aquele que realizamos quando as coisas se tornam desesperadoras. Viver ou morrer é sempre uma opção, frequentemente é a última.
“Escolha é uma
particularidade de nossa espécie. Nós escolhemos viver, algumas vezes
escolhemos morrer, mas a maioria das vezes nós escolhemos somente para provar
que escolher é possível. Acima de tudo, nós valorizamos o direito de escolher
nosso destino. Os muito jovens e alguns sortudos poderão viver seus dias como
uma sequência de portais adornados, mas muitas pessoas fazem um acordo
inconsciente todas as manhãs para passar por mais um dia de stress e trabalho
sem desmoronar ou desejando se matar. Todos tem pensado sobre o suicídio, ou
conhece alguém que cometeu suicídio, então sentimos que “mais um pouco e
poderia ter sido eu”. Como Emile Zola uma vez disse, algumas manhãs você
precisa primeiro engolir um sapo de desgosto antes de seguir seu dia.
Escolhemos viver. Mas pessoas suicidas possuem uma visão em túnel – nenhuma outra
escolha parece possível. O trabalho de um conselheiro é colocar janelas e
portas nesse túnel.”
Diane Ackerman
Enquanto
vivemos, sofremos reveses e dificuldades e isso é normal. O que nos torna
diferentes de outras culturas ou civilizações é que o uso em larga escala da
racionalidade pode estreitar e intensificar dores que antes sofríamos ingenuamente
como uma pedrada do destino. Agora, nos sentimos compelidos a dar uma razão e
um porque a todos nossos tropeços e ai nossa capacidade masoquista não tem limites.
Nos enredamos em nossos dramas e a cada reflexão afundamos mais um pouco no pântano de
nossa angústia.
O chamado “suicídio
racional” parece fruto de um cálculo que leva em consideração as possibilidades
do futuro e a situação presente, reflexão que termina com o fatídico “vale a
pena viver?”. Se pensarmos bem, segundo Camus, sempre flertaremos com o “não” e
talvez esta seja sempre a última resposta. Segundo o Kirilov de Dostoievski muitos
se matam racionalmente e “se não fosse preconceito, esse número seria maior,
muito maior; seriam todos.”
Ligando os
pontos e usando o último recurso, reivindicando nossa última escolha, nos
deparamos com essa companheira fiel – a morte.
Diferente de Camus
e Dostoievski, Andrew Solomon nos diz que existem suicídios bestas, impulsivos
e não pensados... aquela coisa de momento sabe? Deu um “cinco minutos e eu
toquei o foda-se”. Nas palavras do autor:
“de alguma
maneira ridícula o suicídio parece simplificar as coisas... se eu tivesse me
matado não teria que consertar o telhado ou aparar a grama ou tomar outro banho
de chuveiro”
“é a súbita
percepção de uma saída”
Para Freud
estamos cometendo um homicídio contra nós mesmos, estamos dando vazão à nossa
hostilidade contra a única pessoa ao alcance – nós mesmos. Infelizmente, a solidão nos torna próximos demais de nós mesmos. As vezes costumo brincar que queria uma folga de mim, jesus! Acho que encontro isso quando estou com vocês meus queridos.
E o que eu
acho? Bom, Acredito que o suicídio, assim como o aumento de ansiedade e
angustia a níveis insuportáveis, se deve a uma separação e uma solidão. Existe
uma falta de companhia originária que deveria nos ajudar a contatar nós mesmos e
nossos recursos. Acredito que a presença daqueles que nos amam abrem
perspectivas novas a respeito de nós mesmos e assim nos tornam capazes de
colocar janelas e portas em nossa alma, já torturada demais pela realidade.
Diane Ackerman disse
que precisava executar um “lento tango entre vida e morte” quando conversava
com pessoas em seu atendimento de suicidas, pois ela precisava sentir em que pé
estava seu interlocutor para decidir se deveria acionar ou não a polícia, se,
por acaso, percebesse que aquela seria a última ligação. Em um caso ela aciona
a polícia quando percebe que uma mulher que ligava com frequência estava
diferente, “mais próxima da morte”. Os policiais chegaram rápido e ela pode
ouvir a mulher esbravejar e xingá-la de traidora.
Algumas semanas
depois Diane recebeu um postal agradecendo à anônima ajuda, dizendo que estava
melhor e que havia se internado em um hospital psiquiátrico por duas semanas,
mas que já tinha encontrado um novo emprego e também trabalhava como
voluntária.
Acredito que a
vida seja algo próximo deste tango entre morte e vida, permanecer dançando vai
depender do quanto de amor e de fantasias conservamos, do quanto durar a
música.
Se puder, leia a matéria e o livro
Diane Ackerman – A Slender Thread: Rediscovering Hope at the Heart of Crisis
https://www.brainpickings.org/2014/11/14/diane-ackerman-a-slender-thread/
Interessante o papo da “pedrada do destino”... Há um livro chamado “Bruxaria, Oráculos e Magia entre os Azande”, de Evans-Pritchard, que diz que esse povo sempre atribuía à bruxaria qualquer malefício em suas vidas. Se pisou num espinho, foi bruxaria, se ficou doente, foi bruxaria, se ficou triste... foi bruxaria. Parece que, dessa forma, eles viam o mundo fazer sentido. Não adiantava o antropólogo dizer que havia sido distração, por isso havia pisado num espinho. A explicação era: “sempre andei naquele caminho e nunca me feri. Se agora me feri, só pode ser bruxaria”.
ResponderExcluirA racionalidade talvez nos leve ao absurdo. À desconstrução do sentido. Inversamente ao que propunham os iluministas.
Apenas uma vez tive contato com uma suicida. Dava aulas com ela. Um amigo comum a trouxe para a faculdade. Nunca dei muita prosa para ela que era professora de história. Era um tipo que eu não fazia muita questão de conversar. Isso já há uns 20 anos. Um dia, vem a notícia, ela havia se enforcado com uma corda. O amigo em comum, aquele que a havia indicado, ficou bastante abalado. Disse que ela sempre queria falar com ele e ele nunca tinha tempo. Estava adiando a conversa...
Ainda hoje estava lendo sobre uma atleta paraolímpica que, após participar dos jogos no Rio, pretende se matar, praticar eutanásia. Sofre de um processo degenerativo que provoca muita dor. Uma dor insuportável, condição para, em países como a Holanda, realizar tal prática. Não há casos para uma dor insuportável de alma. E nesses casos, como fica?
Talvez fosse melhor atribuirmos à bruxaria nossos azares. A cura talvez fosse mais fácil.
A dor e o sofrimento nos acompanham durante a vida, a diferença de nossa contemporaneidade iluminada é que podemos e queremos escolher mais. Também acreditamos que podemos escolher sofrer ou não.. ai o dilema de Camus e Dostoievski nos revela que a potência da razão está ai para nos engolir. Suicidas serão sempre um mistério solitário, se conhecemos um, sempre ficaremos com a sensação de que poderíamos ter feito algo.. é algo muito difícil de digerir, talvez, porque aqueles que vivem precisem acreditar que o suicídio deveria ser evitado, que viver vale a pena..sempre. Andrew Solomon disse que o suicídio é uma solução permanente para um problema momentâneo... agora, e se for momentâneo por toda uma vida? hahaha um abraço!
ExcluirAmei, Paulo. Vou ler com certeza a sua indicação.
ResponderExcluirColocar janelas e portas nesse túnel é a tarefa mais difícil e maravilhosa da vida. Voce faz isso o temoo todo. Um beijo
Amei, Paulo. Vou ler com certeza a sua indicação.
ResponderExcluirColocar janelas e portas nesse túnel é a tarefa mais difícil e maravilhosa da vida. Voce faz isso o temoo todo. Um beijo
Valewwww Pati! tamo junto! Viver é um mistério.. obrigado por compartilhar essa loucura comigo! Bjs!!!
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