Labirinto - entrada franca

Labirinto de Reignac-Sur-Indre

Como seria adentrar um vasto labirinto e saber que dentro dele estaremos sempre perdidos? Que não existirão deduções ou sinais, apenas dúvidas e o avançar receoso por um caminho que não conhecemos, até que a saída se apresente como que por acaso.

O labirinto clássico (cretense) era um conjunto de semi-círculos organizados de forma que aquele que o adentrasse precisasse mudar sua direção sete vezes antes de alcançar seu centro. Essa arquitetura pode ter várias origens, uma delas indica que este é o caminho percorrido no céu por astros como Vênus, ou o Sol. Outros dizem que suas voltas se assemelham ao desenho de nossa entranhas, apontam também o útero como sendo uma origem possível, relacionando o mistério do labirinto com o mistério da reprodução da vida.

As numerosas inversões de direção indicam que todas experiências possuem uma dualidade e que as vivemos através de um avançar serpenteante, cujo destino o perdido ignora. Ao humano, resta apenas jogar com as dualidades com o intuito de que, de alguma forma, consiga alcançar a saída.

Amamos e odiamos, sentimos vergonha e orgulho, fome e satisfação e tudo o que neste momento nos atrai, em um outro momento, nos despertará asco. Amigos se tornarão inimigos e a paz será, a qualquer momento, transmutada em guerra. O hall de dualidades é infinito e ficamos com a pergunta: como sair do labirinto?

Lembro-me de um autor que descrevia a cerimônia de iniciação dos jovens romanos como uma dança marcial onde eles se alternavam ritmicamente entre a amizade e a inimizade. Um grupo de jovens iniciava a apresentação, alternando o percurso ininterruptamente, lutando ora sob a mesma direção, ora uns contra os outros. Acrescenta, o autor que não me lembro o nome, que este espetáculo era penoso e que frequentemente eles se feriam, devido às súbitas guinadas em seus movimentos.

O ensinamento labiríntico era iniciático, por isso todo jovem deveria deixar o conforto de sua tribo para adentrar a floresta desconhecida, ou cavernas, para lá se perder e se reencontrar. Recordo-me de um filme(é, estou com preguiça de lembrar das referências) onde um índio descreve que, para se tornar um guerreiro, o jovem deveria se lançar no interior da vasta floresta guiado apenas por seus sonhos e assim encontrar o caminho de volta. Nem todos retornavam.

Quando adentro uma biblioteca, sinto uma atmosfera labiríntica e eu normalmente não sei o que eu vou encontrar. Na verdade eu sei, mas eu procuro sem saber onde exatamente o livro se encontra. As vezes, sei qual é o livro e qual a sua posição na prateleira. Sei, inclusive, que ela fica do lado do segurança velhinho sentado em uma banqueta olhando preocupado para o vazio. Quando percorro os corredores de livros procurando um título, eu normalmente acho outros. Eu os pego, folheio, vejo a capa e a introdução e decido qual será meu companheiro pelas próximas duas semanas (tipo um Tinder literário). Vários dias eu não acho o que eu queria e fico muito feliz por isso. Um livro que eu sempre procuro? Mutação Interior, de Krishnamurti. Acontece que eu não posso retirá-lo, então, eu apenas folheio alguns capítulos, ou as vezes não acho e vou embora com outro livro.

O que acontece quando nos perdemos?

Falamos com estranhos, perguntamos, prestamos atenção aos sinais, ficamos preocupados. Buscamos referências, lugares famosos... lugares familiares. Nos interessamos pelas coisas e, num momento derradeiro, olhamos para algo acima de nós. Algo que esteja imune aos percalços e dualidades que nos mantém perdidos. Ou ligamos o Google maps.

Depois de me perder muito, cheguei a uma ciência da perdição. Algo me ensinou que, quando perdidos, devemos parar um pouco e deixar o fluxo correr, percebendo como as coisas voltam a acontecer. Quando nos lançamos no mundo procurando saídas, não conseguimos notar as repetições, aquele lance de andar em círculos. O fio de Ariadne é tipo uma palavra que esquecemos, algo que sempre esteve lá, mas que não conseguimos pegar. Vamos lembrando de várias outras palavras próximas, umas se colocam sempre e parecem tentar nos impedir de lembrá-la. Isso me deixa espantado, porque eu não consigo lembrar de algo, mas sei perfeitamente que todas aquelas outras palavras não são a tal palavra. Quando mudamos de assunto e relaxamos, permitimos que aquela palavra fugidia retorne e pouse em nossas mãos.

Apenas no momento em que baixamos a guarda e nos abrimos para a estranheza do mundo é que podemos perceber o estranho que nos habita.

"De mil experiências que fazemos, no máximo conseguimos traduzir uma em palavras, e mesmo assim de forma fortuita e sem o merecido cuidado. Entre todas as experiências mudas, permanecem ocultas aquelas que, imperceptivelmente, dão às nossas vidas a sua forma, o seu colorido e a sua melodia. Quando depois, tal qual arqueólogos da alma, nós nos voltamos para esses tesouros, descobrimos quão desconcertantes eles são. O objetivo da observação se recusa a ficar imóvel, as palavras deslizam para fora da vivencia e o que resta no papel no final não passa de um monte de contradições. Durante muito tempo acreditei que isso era um defeito, algo que deve ser vencido. hoje penso que é diferente, e que o reconhecimento de tamanho desconcerto é a via régia para compreender essas experiências ao mesmo tempo conhecidas e enigmáticas. Tudo isso parece estranho, eu sei, até mesmo extravagante. Mas desde que passei a ver as coisas assim, tenho a sensação de, pela primeira vez, estar atento e lúcido."  O trem noturno para Lisboa.

E assim podemos deixar de ter certezas... ah liberdade.

Teriam as pessoas paciência para adentrar o labirinto uma das outras? Estariam elas inquietas se pudessem perceber seus próprios labirintos, se pudessem dizer: venham todos, adentrem o meu labirinto e se percam um pouco, por favor.

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