Das alegrias de ler o jornal pela manhã


Li dois artigos na Folha e gostaria de colocar aqui alguns apontamentos, pois é proibido argumentar nos comentários. Aliás, fique a vontade para argumentar em baixo do meu texto, aceito comentários com argumentos. Adoraria ter lido estes artigos no banco da praça em Guaratinguetá, mas deixo pra próxima.

O primeiro texto é o do Mangabeira Unger. Ele diz que a ascensão dos evangélicos na política é positiva, contrariando aqueles que dizem que o Estado deva ser laico. Eu concordo com o Mangabeira quando diz:

"Como pode não ser boa se são mais de 40 milhões de brasileiros? Como se pode imaginar vida política no país sem a sua participação? É uma distorção da ideia republicana imaginar que as pessoas não possam legitimamente inspirar as suas convicções políticas em convicções religiosas."

Ser um Estado laico não significa que o corpo político deva ser composto e inspirado por ideais anódinos, mas pela pluraridade. Se achamos um absurdo que os evangélicos estejam invadindo a política, montemos um partido e vamos para lá. Essa é a mensagem positiva, se eles podem, nós também podemos. Agora, se esse "nós" significa um monte de gente bacana que não consegue nem organizar um churrasco de domingo, então temos um problema.

Não gosto que ideais cristãos sejam enfiados goela abaixo por toda a população, mas é legítimo que eles tentem construir uma sociedade conforme seus ideais, pois os evangélicos passaram por maus momentos e já foram muito segregados em nossa sociedade. Na minha infância, os "crentes" eram uma sociedade a parte, tipo uns Amish, não assistiam TV e possuíam um estilo bem peculiar de moda e costumes. Agora, já devidamente remasterizados, conseguem ascender e colocar umas cantoras até no Faustão... veja só.

Digo isso porque até pouco tempo atrás eu ouvia as pregações do Silas Malafaia e gostava dele vociferando mensagens bíblicas, aquela energia meio cômica era algo até bonito, pois ele era só um pastor, conhecido por crentes e oia lá. Hoje, todos os meus amigos conhecem essa figura que tirou o bigode e usa imagens do Estado Islâmico para campanhas políticas, babando na cara da Marília Gabriela, mandando mensagens caricatas no Twiter, enfim, mais um personagem da política do espetáculo.

Estou me repetindo, mas sempre é bom lembrar...caminhando pela FFLCH, lembro de grupos de estudantes pedirem para retirar aquele pastor com visual anos 90, esqueci, aaa o Feliciano, da presidência da comissão de direitos humanos da câmara porque ele era um crentão homofóbico. Bullshit right? Se fosse o lumberjack da Federal aí sim? O que está no cerne dessas críticas é um preconceito com relação aos crentes, não uma defesa da Democracia, que, aliás, legitima o tal do Feliciano, pois ele foi eleito e representa uma grande parcela de pessoas que vive por estas bandas.

Que eles defendam seus ideais na política, isso é algo que temos que entender no mesmo plano em que a bancada agrária se esforça por barbarizar o código florestal, ou a bancada da bala buscando diminuir a maioridade penal... os crentes vão se afirmar sobre as pautas de seu interesse, atravancando o debate sobre direitos dos diferentes gêneros, aborto, legalização das drogas... e nós? Vamos entrar na time line do Face e rezar. Vamos demonizar a política? Só tem ladrão...tá tudo perdido! Se continuarmos nessa, estaremos pavimentando o caminho para que estas bancadas continuem afirmando suas idiossincrasias sobre nosso lombinho laico.

Aproveito o gancho para invadir o segundo artigo, o do Sr. Ronaldo Caiado, no qual ele afirma que os nossos adolescentes viraram massa de manobra na mão dos "marmanjos" de esquerda, por silogismo, petistas. Acredito que nem todos os professores são de esquerda, muito menos petistas, pra começar. Segundo, acho que o Sr Caiado reclama que sua adorada PEC foi mal interpretada, deveria ele se esforçar por visitar as escolas invadidas e expor seu ponto de vista. Isso seria política, assim como as ocupações são políticas. Podem ser fruto de uma "manouver"? "Propaganda"? Lenin... sim, pode, assim como a tal da PEC, e que isso se chama... política. Sr. Caiado acha que a "manobra" é um tipo de pecado original da política e quer fazer sua PEC passar como a Virgem Maria, algo que algumas revistam andam fazendo, usando a metáfora da finança familiar, que é básico que um pai de família não gaste mais do que ganha, assim, o Governo não pode gastar mais que arrecada.

É uma lógica tão fenomenal que eu me pergunto, CARALHO...por que só agora!? Estou esperando as outras PECs proibindo roubar no par ou ímpar e pular a cerca. Estou no aguardo.

"As eleições confirmaram a legitimidade do ato parlamentar, elegendo maciçamente as forças que, nos termos da Constituição, tiraram Dilma e colocaram Michel Temer na Presidência." 

Faço uma digressão neste momento para analisar esta pérola, pois, achei interessante o uso desta organização gramatical para definir o impeachment: tirar Dilma. Poderia o Impeachment ser um ato? Uma ação positiva? Ou seria decorrente de um crime, o tal crime de responsabilidade, no caso cometido pela própria. Não caberia aqui uma estrutura passiva? Ficaria menos óbvio o caráter de manobra que ele tanto recrimina nas invasões estudantis. Colocar "nos termos da Constituição" entre vírgulas apenas indica o caráter acessório que a Constituição representa no conjunto da obra. Tire "nos termos da Constituição" e ela continuará fazendo sentido, fara mais até.

*Lendo a continuação do texto "Se fosse democrática, como se proclama, a esquerda absorveria a sentença soberana das urnas e faria sua autocrítica. Mas ela faz da democracia rito de passagem, como se vê na Venezuela, em que o aparelhamento das instituições impôs uma ditadura sangrenta." senti uma coisa meio freudiana com a citação do "Pseudo Lênin":Acuse-os do que você faz; xingue-os do que você é".  Acho que o título mais coerente da coluna deveria ser: A negação.

Deslegitimar as ocupações chamando-as de manobra é muito pouco, assim como a PEC é muito pouco, precisamos de mais política. Esses jovens estão convocando os políticos a fazerem o que foram chamados a fazer. Acontece que cada vez que a população se posiciona politicamente fora do âmbito restrito da votação, quer seja pelo protesto, ou pela ocupação, o governo se comporta de uma maneira típica: primeiro, deslegitima tudo invocando a "esquerda petista demoníaca" e depois sova a massa com bastante gás lacrimogênio e bala de borracha. Política fina made in Brazil.

Outra coisa divertida é ver como o Sr. Caiado enche a boca pra falar do Temer, ué ele não é o Vice do capeta? Não entendi o conteúdo de redenção que ele encontrou na pessoa do "Vice", afinal, isso não quer dizer que ambos partilhavam da mesma chapa política? Ou o Vice é alguém que está lá como um reserva do time oposto, apenas para assumir se o Presidente não ganhar a copa do mundo, é isso? A tá, entendi.

Adoro ler o jornal... é tão rico!      

 

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