Ao voyeur de todos nós
Quando aquela garota está diante de você e o momento chegou, você ligeiramente passa o dedo pela escarpada região da faixa da cintura e puxa a abinha do botão da calça jeans, coisa tentada várias vezes, mas, até então, nunca permitida. Desabotoa como se estivesse abrindo um sonho de valsa, ou melhor, o santo dos santos. Aparece, de relance, aquela calcinha rosa desbotada com bolinhas brancas e a garota desperta de seu lapso, tirando sua mão. Você insiste, ela rechaça suas investidas como que do alto de uma muralha inexpugnável. Ela ri e estampa nos olhos: você nunca adentrará a cidade proibida.
Acontece que sempre existirão cavalos de Troia, traidores, deuses traídos, e tudo isso foi providencialmente colocado lá desde a invenção do mundo. Neste momento, você finge desistir, retira suas tropas e desaparece. Diz: tudo bem, quem sabe outro dia. Vendo a amada quedar aliviada sobre a cama, nosso herói simula o mesmo movimento de desistência, agachando-se para sentar ao chão. É então que a divina inspiração o toma e, ato contínuo, agarra a flexível muralha de lycra pela barra projetando-se para trás, apoiando os pés sobre a cama.
A cena não é épica, mas contemplar a amada surpreendida em sua nudez, ainda que seja através de uma cortina transparente, ou com aquela calcinha de quarta-feira, é reproduzir uma arriscada cena mitológica. Acteon surpreendeu Diana em seu banho com a ninfas e foi transformado em servo, sendo devorado por seus cães.
De cego na alegria bruta, insana,
Que, por seguir um feio animal fero,
Foge da gente e bela forma humana;
E por castigo quer, doce e severo,
Mostrar-lhe a formosura de Diana.
(E guarde-se não seja inda comido
Desses cães que agora ama, e consumido).”
Camões, Os Lusíadas (1572), Canto IX
Deixando de lado esse final trágico, esperamos que nosso herói tenha um outro destino, muito menos mitológico e mais ordinário. Poderíamos interromper a cena e lhes mostrar essa pequena citação de Manoel de Barros
A blandícia do mormaço engendrava crianças. Se usavam demais os dedos nos barrotes a fim de impulsionar as redes. Davam-se cópulas balançadas e refrescantes. Assim, os barrotes dos quartos sempre estavam furados. E por eles podiam-se ver as primas nos urinóis. Coisa imanente e afrodisíaca, que muito deve ter influído nas tendências voyeurísticas daquele povo. Bem como o hábito do guaraná que é bebida afrodisíaca, porém no seu ralar e não na substância da bebida. Eis que no ralar a mulher meneia os quadris. E o desejo dos homens provém do mover dos quadris. Coisa que eu não descreio. Pois foi esse o povo ladino, sensual e andejo que um dia atravessando o rio Taquari encheu de filhos e de gado o que se chama hoje, no Pantanal, a zona da Nhecolândia.
Aqui nosso herói encontra o perdão, e a amada ainda tenta odiar, rechaçar, mas o olhar maravilhado de seu Acteon do Pantanal acaba por suavizar os ânimos. Isso e muito beijos, muitas oferendas, muitos mimos. Aquela visão merecia todos os sacrifícios.
Uma vez que tudo está encaminhado, nossa Diana se levanta para desligar a luz e amar mais a vontade. Oportunidade que permite ao moço embasbacado de calças na mão contemplar toda a plenitude dos quadris e pernas. Vislumbrar, sobre a amplidão do olímpico bumbum, algumas estrias claras... O que seriam essas ranhuras espalhadas por tão belo território? Pergunta nosso herói.
Já contemplaste o mar querido desbravador?
Curiosamente, uma trilha misteriosa o leva a uma tarde ensolarada em que caminhava por uma estrada a beira mar. Ali, espreitando entre os galhos das árvores, pode ele contemplar as ondas que avançam vagarosamente em direção à praia.
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