Você vai casar com a pessoa errada

Marion Fayolle

Isso é uma das coisas que nós mais tememos que venha a acontecer com a gente. Nós fazemos de tudo para evitar isso. E, contudo, nós fazemos sempre do mesmo jeito: Nós casamos com a pessoa errada.

Em parte, isso acontece porque nós temos que lidar com um gama enorme de problemas quando tentamos nos aproximar das pessoas. Nós parecemos normais apenas para aqueles que não nos conhecem bem. Numa sociedade mais sábia, mais consciente que a nossa, uma pergunta padrão num primeiro jantar poderia ser: "E quais são suas loucuras?"

Talvez nós temos uma tendencia latente para ficarmos furiosos quando alguém discorda de nós ou conseguimos relaxar somente quando estamos trabalhando; talvez sejamos complicados para lidar com a intimidade pós sexo ou nos calamos quando somos humilhados. Ninguém é perfeito. O problema é que antes do casamento, nós raramente investigamos a fundo nossas complexidades. Sempre que relacionamentos casuais ameaçam revelar nossas falhas, nós culpamos nossos companheiros e chamamos isso de "dia ruim". Sem contar que nossos amigos não se preocupam muito em trabalhar nossa personalidade para nos tornar pessoas mais evoluídas. Um dos benefícios de viver sozinho é ter a sincera impressão de que somos pessoas muito fáceis de conviver.

Nossos companheiros não são pessoas muito conscientes de si. Naturalmente, nós tentamos compreende-los de todas as maneiras. Visitamos suas famílias. Olhamos suas fotos, encontramos seus colegas de faculdade. Tudo isso contribui para nos dar a impressão de que estamos fazendo o dever de casa. Não estamos. O casamento é uma aposta generosa, cheia de esperanças, infinitamente gentil que duas pessoas fazem sem saber ao certo quem são ou quem deveriam ser, atando-os a um futuro que não podem prever e nem tiveram o cuidado de investigar.

De acordo com a história, as pessoas se casavam por razões lógicas: porque as terras dela são do lado da sua, a família dele tinha um negócio rentável, o pai dela era o magistrado da cidade, havia um castelo para manter, ou ambas as famílias possuíam a mesma interpretação das escrituras sagradas. E de tais casamentos surgia solidão, infidelidade, abuso, dureza de coração e gritos ouvidos do quarto das crianças. O casamento pela razão não foi, podemos concluir, razoável em nenhum aspecto; era normalmente conveniente, simplista, arrogante e interesseiro. Por isso, o que veio para substitui-lo - o casamento baseado no sentimento - tem largamente poupado a necessidade das pessoas de se explicarem.    

O que importa em um casamento baseado no sentimento é que duas pessoas se atraem por um instinto incontrolável e sabem em seus corações que isso é correto. De fato, quanto mais imprudente um casamento parece (talvez faz apenas seis meses que eles se conheceram; um deles não tem emprego ou ambos acabaram de sair da adolescência), mais seguro ele parece ser. A impulsividade é tomada como uma garantia contra todos os erros da razão, esse catalizador da tristeza, desta necessidade de explicar tudo. A primazia dos instintos é a reação traumática contra muitos séculos de um racionalismo exagerado.

Contudo, nós acreditamos que estamos procurando a felicidade quando nos casamos, e isso não é simples. O que nós verdadeiramente procuramos é algo familiar - o que pode complicar nossos planos a respeito de alcançar a felicidade. Nós estamos tentando recriar, dentro de nossos relacionamentos adultos, os sentimentos que nós conhecemos muito bem de nossa infância. O amor que a maioria de nós conheceu muito cedo foi geralmente confundido com dinâmicas mais destrutivas: o sentimento de querer ajudar um adulto descontrolado, de ser privado do carinho dos pais ou amedrontado por sua raiva, não se sentir seguro o suficiente para comunicar nosso desejo. O quão lógico, então, que nós encontremos a nós mesmos rejeitando um futuro cônjuge não porque eles são ruins, mas porque eles são muito legais - muito equilibrados, maduros, compreensivo e confiáveis - tendo como base que em nossos corações, tais qualidades soam de forma estranha. Nós casamos com a pessoa errada porque não associamos ser amados com ser felizes.

Nós cometemos erros, também, porque somos muito sozinhos. Ninguém pode estar em perfeitas condições para escolher um parceiro quando estar só é intolerável. Nós temos que estar em paz com a perspectiva de muitos anos de solidão para sermos apropriadamente exigentes; senão, corremos o risco de amar mais o fato de não estar solteiro do que o parceiro que nos livrou deste estado deplorável.

Finalmente, nós casamos para fazer uma sensação gostosa durar para sempre. Nós imaginamos que o casamento vai nos ajudar a conservar a alegria que sentimos quando a ideia de casar apareceu para gente pela primeira vez: Talvez estivemos em Veneza, num lago, em um barco, com o sol da tarde jogando glitter sobre o mar, conversando sobre aspectos de nossa alma que ninguém nunca tinha percebido antes, com a perspectiva de jantar um risoto mais tarde. Nós casamos para fazer tais sensações permanentes, mas falhamos em ver que não havia sólida conexão entre tais sentimentos e a instituição do casamento.  

Certamente, o casamento tende a nos colocar em outro plano, muito diferente e burocrático, que talvez se desdobre em uma casa na periferia, com muito trânsito e crianças irritantes que matam a paixão da qual eles emergiram. O único ingrediente comum é o parceiro. E isso pode ter sido o ingrediente errado a ser conservado.  

A boa notícia é que não importa se descobrimos que casamos com a pessoa errada.

Não devemos abandoná-la (lo), apenas baseados na ideia fundamental Romântica na qual a instituição do casamento vem sido baseada nos últimos 250 anos: Que existe um ser perfeito que pode satisfazer todas as nossas necessidades e nossos anseios mais profundos.

Nós precisamos trocar a visão Romantica por uma trágica ( e em alguns momentos cômica) conscientização de que todos os seres humanos irão frustrar, irritar, incomodar, implicar e nos desapontar - e nós vamos (sem nenhuma malícia) fazer o mesmo com eles. Poderá não haver fim para nosso senso de vazio e incompletude. Mas nada disso é incomum ou uma razão para pedir o divórcio. Escolher alguém para o qual nos dedicar é meramente um caso de identificar qual variação particular de sofrimento estamos mais dispostos a nos sacrificar pelo amor de alguém.

A filosofia do pessimismo oferece uma solução para muita tensão e impaciência que acompanha o casamento. Isso pode soar estranho, mas o pessimismo nos alivia de uma pressão enorme da imaginação que nossa cultura romântica coloca sobre o casamento. O fracasso de um parceiro em particular para nos salvar de nossa amargura e melancolia não é um argumento contra essa pessoa e não é um sinal de que uma união merece acabar ou melhorar.

A pessoa mais adequada para nós não é aquela que compartilha todos nossos gostos (ele ou ela não existem), mas a pessoa que pode negociar gostos diferentes de forma inteligente - a pessoa que é boa em discordar. Ao invés de alguma ideia de perfeita complementariedade, é a capacidade de tolerar as diferenças com generosidade que é o verdadeiro sinal a se esperar da pessoa "não totalmente errada". Compatibilidade é um resultado do amor; não deve ser uma condição prévia.

Romantismo tem nos atrapalhado muito; é uma filosofia incômoda. Tem feito a maioria de nossas experiências no casamento parecer desencorajadoras e exceções à regra. Nós acabamos solitários e convencidos que nossa união, com suas imperfeições, não é normal. Nós devemos aprender a nos sentir mais confortáveis com a "imperfeição", lutando sempre para adotar uma perspectiva mais tolerante, humorada, e doce sobre seus inúmeros exemplos em nós e em nossos companheiros.

Alain de Botton em artigo publicado pelo New York Times, autor do livro "The course of love"
Este foi o artigo mais lido do ano de 2016.

Link do artigo original: https://www.nytimes.com/2016/05/29/opinion/sunday/why-you-will-marry-the-wrong-person.html?_r=0

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