O amor, um mal necessário.


Em uma boa conversa de bar, enveredamos por um tema que despertou meu interesse: profissionais do sexo. Na ocasião, um velho amigo defendia a opinião de que a prostituição deveria ser descriminalizada para que esta classe profissional pudesse ter acesso a direitos trabalhistas e não fosse desamparada em caso de explorações, violência, etc. além de alcançarem uma “dignidade” diante do poder público que lhes permitiria amenizar a situação de discriminação social, logo, a descriminalização seria um caminho necessário para a reabilitação desta classe no cenário social brasileiro, permitindo a melhora de sua de qualidade vida e trabalho.

Acontece que a prostituição não é vista em nosso país como “uma entre outras” profissões, antes, é carregada com um forte teor preconceituoso e polêmico que dificulta o processo de descriminalização, além de expressar como esta profissão é direta e indiretamente reconhecida em nossa sociedade. Considerada como um “mal necessário” por nossas autoridades, nenhuma medida que proporcione um amparo legal para suas atividades, nem para melhorar suas condições de trabalho é tomada, assim como não existe um movimento sério no sentido de coibir seu avanço. Apesar do profissional do sexo ser uma ocupação reconhecida (indexada na CBO nº5198-05) e de existir grupos organizados para defender os interesses desta classe (Rede Nacional de Profissionais do Sexo, fundada em 1989) o esforço legislativo para descriminalizar o profissional do sexo não logrou sucesso em seus vários anos de tramitação no legislativo brasileiro. Colocada em plenário em 2003 pelo Deputado Federal Fernando Gabeira, o Projeto de Lei nº 98/2003 previa a supressão dos artigos 228 e 231 do código penal com o intuito de mudar a abordagem penal com relação ao pagamento por serviços de natureza sexual. Este  Projeto de Lei foi arquivado pela última vez no final de 2007.

Não vejo a questão da prostituição simplesmente como uma questão de direito, nem acredito que a maioria das pessoas que optam por esta carreira, isto com relação a homens e mulheres, optem por “livre e espontânea vontade”, mas que esta profissão envolve muitos aspectos culturais e questões de gênero que nossa sociedade ainda não consegue tratar abertamente. Preferimos acreditar que as pessoas que se envolvem com prostituição o fazem “porque querem”. Somos até favoráveis a descriminalização, mas no fundo apenas concordamos para evitar termos que lidar com nossos preconceitos e valores que de fato não vislumbra as pessoas envolvidas com a prostituição... deixemos que elas lutem pelos seus direitos.

Assisti um curta metragem em um festival alguns meses atrás que se chama “Mascara Negra”. O filme conta a historia de um rapaz que sente um amor platônico por uma mascarada que encontra nos bailes de carnaval. Um belo dia a leva para cama e descobre que se trata de um travesti, mas isso não o impede de levá-la para o “racha” da quarta feira de cinzas e de continuar alimentando seus afetos por ela na mesa do bar “pós pelada”. O inusitado revela o quão distante estão de serem consideradas em nossa concepção amorosa aquelas pessoas que abraçam uma sexualidade que não se enquadra nos moldes heterossexuais cristãos a que estamos acostumados nos filmes de romance hollywoodianos.

Nossa dificuldade em reconhecer as diferentes orientações sexuais caminha em paralelo com nossos preconceitos de gênero afirmadas implicitamente pela “compra” da intimidade sexual alheia, ambas ocultam-se nas madrugadas urbanas, nas máscaras que constantemente forjamos para não nos defrontarmos com o que consideramos vil em nosso caráter. O amor se torna, assim, em um “mal necessário”, algo que não aceitamos explicitamente, mas que deve ser higienizado e empurrado para debaixo dos tapetes do bom senso comum. E qual não é nossa surpresa quando nos deparamos com esse "mundo" subterrâneo florescendo a tal ponto de sermos considerados uma capital do turismo sexual. O leitor deve estar se perguntando onde existe amor na prostituição, eu me pergunto onde existe amor em uma sociedade que não é honesta com aqueles que são explorados sexualmente - que não são poucos - não os contemplando em suas políticas públicas. Por essas e outras acredito que agimos de má fé com nosso amor... fazendo dele um "mal necessário".

Os dados a respeito da descriminalização da prostituição estão em um estudo intitulado: A prostituição no Brasil contemporâneo: um trabalho como outro qualquer? De Marlene Teixeira Rodrigues - UNB
Foto: Reuters - Matéria sobre prostituição na Europa de Ricardo Setti - Veja .

Comentários

  1. Boa. Papinho de descriminar pra promover os direitos da classe parte de uma premissa preconceituosa de que a pessoa se prostitui por opção. Esquecem das centenas de crianças sequestradas para alimentar esta profissão, e tantos outros casos em que a violência precisa ser infligida pela própria pessoa a se prostituir, antes de sofrer violência alheia. Não podemos tomar como base as universitárias que buscam uma renda extra, as bonequinhas de luxo. Melhor entender que a maioria envereda por este caminho por falta de opção.
    Descriminalizar? Penso em desestruturar a rede.
    Seria mais justo.

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