Um dois três, Um dois três

Eu acho que estamos fora do ritmo.

Não - estamos muito bem..

Quando eu cheguei em São Paulo em 2007 uma das primeiras coisas que eu fiz foi entrar em uma aula de dança. Foi um curso de férias de forró e eu só me inscrevi por incentivo de alguns amigos mais astutos(para não falar outra coisa), falavam que dançar é a melhor maneira de se divertir e conhecer garotas. Depois de algumas saídas eu realmente sentia falta de saber dançar, ficava olhando aqueles casais tão conectados, dispersos do mundo... pareciam vibrar com a música.

Eu não sabia nem o “dois pra lá dois pra cá” e quando a aula começou todos estavam meio travados, havia um abismo entre os professores desenvoltos, confiantes, e o bando que se trombava pelo salão. Aí o professor pára a aula pra ensinar a galera a rebolar, nesses momentos eu abro um parêntesis em minha existência, tipo aqueles momentos que entra o narrador do filme, e eu me pergunto: whatá hell I'm doing here? Bom, agora só me restava pular aquele limite de travamento que nos faz desperdiçar o bom da vida, pegava o meu par e dançava ouvindo o professor cantando o 1 2 3, 1 2 3, 1 2 3...

De alguma forma, meus pés absorveram esse 1 2 3. Coisa idiota né? Desde então, quando começo a me lembrar de todos os melhores momentos que a vida me brindou eu fui encontrando lá esse 1 2 3.

Uma vez, chegando numa casa de música latina, a garota me para na porta e diz, você não vai ficar bravo se eu dançar com outros caras né? Eu disse que não, sem problemas! E quando começamos a dançar parece que ficamos mais próximos, dançamos juntos a noite toda e não queríamos mais parar. Os corpos tinham começado um diálogo próprio e alheio ao que nós tínhamos planejado, uma coisa de ritmo e energia que a palavra falada não consegue transmitir.

Essa energia muda que habita nossos corpos não é apenas departamento da sexualidade, é uma coisa que outras culturas sabem explorar melhor que a gente. As culturas africanas, com seu ritmo incansável, sabem que o corpo é algo que vibra, possui um ritmo próprio e esse ritmo é algo que conseguimos encontrar dançando. Esse ritmo é algo que embala o social e o espiritual, fortalecendo os vínculos entre as pessoas através dessa dimensão silenciosa de nossos corpos. Daí quando nos damos as mãos e nos abraçamos, o ritmo inicia uma outra modalidade de conversa táctil em que cada lapso é logo sentido e reconhecido, no próximo refrão o ritmo é recolocado, ocorrendo o que eu poderia chamar de bem-entendidos da dança.

Andamos enfiando nossos corpos em academias, comendo dietas estranhas, junk food, etc. Pois ainda acreditamos que nosso corpo é apenas uma fonte de prazeres, desconectado de um plano mais significativo de nossas identidades. Aí vamos ficando meio padronizados, uma planície chapadinha por estereótipos, reflexo de uma organização do social que privilegia uma fruição exclusiva pela via do simbólico-visual. Quando percebemos que nosso corpo é um templo com o qual podemos elaborar um novo dialogar, nos surpreendemos com a quantidade de alegria que existia dentro de nós, e assim dançamos com várias pessoas de diferentes cores e tamanhos e nos alegramos, sem mal saber os nomes. Aqui nosso espaço aumenta, e vamos abarcando e amando as diferenças.

A alegria da dança é uma alegria mais exuberante e besta, do 1 2 3, do convite e de um rádio tocando. Paro e danço sozinho em casa, de olhos fechados. É muito bom.
 
Não danço bem, mas gosto de dançar. Acho importante. Conselhos na vida? Faça uma aula de dança, não é para aprender a dançar, é só pra perder o medo.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O último teste - histórias que nos ajudam a encontrar o caminho

Noé e a metáfora da vida

O retorno da alegria