Compréto?

(foto google imagens)

A vida não é feita apenas de grandes narrativas, as vezes, esquecemos do quão rico e importante são aquelas pequenas experiências de nosso passado e do quanto elas nos acompanham no decorrer dos dias.

Volta e meia discuto a falta de carrinhos de lanche tipo dos que encontro normalmente em Guaratinguetá. Aqui em São Paulo tudo é tão caro e gourmetizado que preciso gastar muito para ter algo menos saboroso. Aí eu me pergunto, por que não tenho a chance de pedir um x-burguer completo daqueles de 5 mangos aqui em sp? Como isso faz falta!

Isso me despertou para empreender uma genealogia do hambúrguer e do quanto essa refeição me acompanhou no decorrer dos anos.

Nos primórdios eu visitava algumas cantinas da vila militar onde morava quando era criança e pedir um lanche era uma coisa extravagante, no linguajar de meu pai... "vou fazer uma extravagância hoje, vou comprar um hambúrguer." Era muito caro, mas a experiência era diferenciada, pois quando víamos alguém comendo começávamos a babar por dentro...como eu queria não ter gastado aquele dinheirinho nas fichas do fliperama para poder pedir um sanduíche! Paciência, de vez em quando sobrava umas moedas e comprava uns amendoins pra "tapar o buraco".

Depois que mudei da vila me tornei vizinho de um cara viciado em hambúrgueres, o "Buny". O pessoal geralmente o chamava de hamburgão, ou algo parecido, coisa que vocês podem deduzir do fato de que ele vivia comendo lanches e isso não é uma figura de linguagem. Era um adolescente meio roliço e tinha uma pinta no canto da boca, isso sem falar da irmã mais velha que todos desejavam e, logicamente, isso tudo era motivo para piadas e discussões acaloradas, cuja escalada normalmente acabava em pedradas e xingamentos a pessoa materna.

Eu costumava ser o parceiro de incursões em novas lanchonetes. Ele me chamava e comentava:
"Abriu um carrinho em lugar tal, lá a maionese é muito boa e o preço é razoável" ou "o cara frita um cebola com um temperinho que fica show", "o x salada da lanchonete tal era muito bom" e por aí íamos pedalando por guará comendo lanches, impulsionados por adventos tipo a chegada da batata palha, e lanches mais incrementados e baratos, combinações com refrigerantes, etc.

Não havia no horizonte a possibilidade de encontrar fast foods e o deus McDonald's não possuía um templo em Guará.

Dessa época gostávamos da Maínha no Rony, pertinho de casa. Tinha o Dito perto da Sabap, cuja cebola frita as vezes incomodava; havia um carrinho bom perto da Nexus (uma locadora que merecia um post a parte); isso sem contar as pessoas que montavam carrinhos improvisados em suas casas. O Buny comia rápido, era difícil acompanhar o ritmo dele. Outra coisa que nunca aprendi com esta figura foi o estilo de cuspir, algo que ele fazia com uma desenvoltura única, por todos os lados da boca.

Seguindo a peregrinação pelo melhor lanche e o mais barato, achamos uma mulher que fazia um lanche ótimo por um real...era isso mesmo? Não me lembro bem, só lembro que ela sempre perguntava se queríamos "compréto?", daí em diante passamos a chamá-la compréto. Ela fazia o lanche na casa dela, que ficava na rua Alagoas na vila militar. Então, acabamos criando um ritual que consistia em visitar os Luises, lá na vila dos oficiais, e depois saíamos conversando até chegar no compréto. Depois passávamos por ruas vazias quebrando lâmpadas, chutando sapos, cuspindo em pontos de ônibus, enfim, a melhor fase de nossas vidas.

Quando todos já moravam na cidade, passamos a jogar RPG e ir depois em um carrinho que chamava Max lanches. Esse carrinho ficava na casa do cara, ao lado de uma pracinha em frente do ícaro. Esse lanche era o que havia de mais agressivo no que tange a ingredientes opcionais, uma novidade na época. Descobrimos o cheddar, o catupiry já conhecíamos das pizzas do Terraço, mas no lanche também era novidade. O queijo era cortado na hora e o cara não regulava, todo lanche era uma pequena orgia gastronômica regada a todo tipo de gorduras possíveis.

Alguns amigos mais audaciosos combinavam de ir lá no challenge day para comer um x-tudo, e depois íamos para a pracinha trocar ideias até altas horas, pessoas que estavam passando se agregavam e ríamos até não dar mais zuando pessoas aleatórias. Cada dia um camarada era escolhido para sofrer com as imitações, todos imitávamos a família inteira de nossos amigos, ninguém passava despercebido. Quantas coisas aconteceram nessas conversas?

Depois desses carrinhos clássicos, haviam outros mais conhecidos, o que ficava embaixo da ponte, por exemplo, eu não gostava muito, mas ficava aberto até mais tarde. Tinha um que ficava perto do Alfredão, outro no Campo do Galvão, o do Parque São Francisco tinha que ter hora marcada, porque a mulher faz uma maionese caseira fenomenal. Atualmente prefiro o carrinho em frente da creche, pessoal simples, lanche gostoso e barato. Na última vez que fui em Guara parei nesse carrinho e pedi um x-frango e acabei ficando preso na chuva. Ver aquela massa de gotículas caindo sob a luz alaranjada das lâmpadas da avenida me fez lembrar de todas essas histórias, decidi, então, escrever esse post.

Hoje, percebo que as redes de fast food tentam reproduzir esse clima maneiro que desfrutávamos quando batia a fome e chamávamos os amigos para trocar uma ideia em alguma esquina da vida. Infelizmente, o sentimento que nos encanta quando assistimos séries tipo stranger things é o mesmo sentimento que nos diz que esses tempos não voltam mais.

Contudo, esse sentimento sempre estará aqui.

A todos amigos e parceiros que compartilharam um lanche comigo 

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