A negação que nos isola

Não renunciarei!

Diariamente tenho visto notícias absurdas e jornalistas igualmente absurdos. O que resta são os memes, pois a ironia é a única ferramenta remanescente em nosso arcabouço comunicativo - nada mais nos resta. 

Vários escândalos estão acontecendo, delações premiadas, gravações de conversas de figuras públicas, malas de dinheiro... e o que todos tem em comum? Todos são negados. Nenhum político vem a público para assumir seus atos, para se declarar culpado de desviar seus milhões e todos rezam o mesmo mantra: tudo foi uma armação política para desestabilizar o governo, uma montagem, etc. Cabendo à justiça dizer se ele é culpado ou inocente.

Qual é o efeito disso em nós, população brasileira? 

Essa negação da responsabilidade provoca em nós a impressão de que a verdade está suspensa. George Orwell mostra em 1984 que o totalitarismo nos tortura até nos fazer acreditar que 2+2=5, enquanto Hannah Arendt nos diz que a coerção totalitária não é nos fazer acreditar que 2+2=5, mas nos forçar a dizer que 2+2=5 mesmo sabendo que isso é mentira. Quando a realidade parece negar todas as nossas convicções ela nos joga em um limbo, pois não conseguimos perceber as instituições como humanas, elas não são mais permeáveis ao nosso clamor. Nossa verdade não é reconhecida pela sociedade nem pela esfera pública.

Forma-se uma película que nos isola uns dos outros, nos tornando incapazes de por os pés no chão e de nos sentir minimamente pertencentes a uma comunidade. Os homens públicos lidam com o poder como se eles emanassem do cargo e não da relação com a comunidade que o instaura, por isso, se sentem no direito de mentir compulsivamente - afinal, querem manter o cargo. O que eles esquecem é que não existe política, nem relação humana possível sem verdade. 

Por isso temos dificuldades de falar com crianças, pois elas sabem que estamos mentindo e não fazem questão nenhuma de esconder isso. Talvez, as crianças tenham entrado no
jogo sabendo as regras, enquanto nós as esquecemos e por isso creio que, como o senador Aécio disse, ingênuos são os adultos. Enquanto brasileiro, me sinto na pele de uma pessoa adotada cujo passado é ocultado pela família inteira, ou do fatídico corno - todas as figuras públicas desse país se esforçam loucamente, negociam nas saunas, armam esquemas infinitos de lavam de dinheiro, paraísos fiscais, empresas de fachada, departamento de propinas - tudo para manter uma mentira. Esse é um governo da negação - o povo não pode saber! Isso nos isola e enlouquece.

Dizemos que vivemos a era da pós-verdade, do fake news, etc. Essas questões nunca seriam levantadas se vivêssemos em uma comunidade de pessoas que dialogam, pois tenho a convicção de que a verdade emerja das relações e do tecido das conexões humanas. Desta solidão inescapável, nos resta esperar por algo ou alguém que nos proteja dos outros, uma pessoa que possa governar sem diálogo, que não me obrigue a enxergar as diferenças - a lidar com elas. Alguém que varra os mendigos da rua, que use a força para impor a ordem, negociando com as grandes corporações e que seja capaz de manter um patamar econômico que nos permita assistir netflix sem que tenhamos o desprazer de nos preocupar com política. Em outras palavras, precisamos de um governante que consiga manobrar uma massa de singularidades atomizadas - solitárias e temerosas - que não sabem mais dialogar. Esse é o desafio da política do século 21, como fundar uma política dos átomos? 

Creio que estamos tentando implementar uma política química - isso abandonou a pretensão de ser social há muito tempo. O grande capital agrário precisa de terras? O que os impede de avançar sobre a amazônia? Demarcações?? Resolvemos isso com uma votação de madrugada, assim, as fazendas de gado e soja avançam como que por diferença de pressão, ou poderia dizer osmose? O fato é que ninguém pode mudar as leis da física...nesse caso, os interesses da bancada ruralista. Já as reformas me soam como um grande ciclo de deterioração do urânio, pelo menos é o que os políticos pensam que seja política, sendo que, na cabeça deles, Brasilia se assemelharia a um grande reator nuclear. Naquela cidade os nobres senhores puxam as barras de urânio a limites nunca antes conhecidos, fornecendo a energia que os milionários desse pais precisam para continuar mantendo seu estilo de vida bacana, com direito a vibrador wifi e vestido de 180 mil euros.  

Qual é a revolução meu ilustre amigo? Como mudar essa política? Em quem vamos votar??
Me diga um nome por favorrrrr!!!!!!!!!!!!11 Tudo, pela mor de deus, só não me obrigue a conversar.
Não se preocupe, eles estão trabalhando como loucos para encontrar uma saída e deixar tudo como está, relaxa. Em breve, um batalhão de especialistas explicarão tudo com gráficos e power point, e você poderá seguir sua vida sem atropelos, sem protestos interrompendo seu direito de ir e vir. 

A solidão da negação nos mata como a sede mata, lentamente, o náufrago em alto mar. E a política tem se especializado em sedentos, em como manobrá-los, por isso continuamos nos debatendo com populismos e flertes totalitários... o diabo apenas mudou de nome. 

Sigo tentando conversar - apesar de tudo.

Deixo-lhes o link de minhas últimas inspirações:

https://www.brainpickings.org/2016/12/20/hannah-arendt-origins-of-totalitarianism-loneliness-isolation/  

https://onbeing.org/programs/lyndsey-stonebridge-thinking-and-friendship-in-dark-times-hannah-arendt-for-now/      

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