A verdade liberta


Os comedores de batatas - 1885, Óleo sobre tela.

“Quanto a mim, sinto muito pouca simpatia por esta imagem de Gérôme, pois não vejo nela o mínimo sinal de inteligência. Mãos que carregam as marcas do trabalho são mais belas que mãos como as desta imagem.” – Cartas a Théo, Van Gogh, pg.24

Nesta carta de Van Gogh a seu irmão, datada de 9 de janeiro de 1878, apreende-se a potência de caráter e franqueza com que este artista encarava o fazer artístico e sua fruição e aproveito suas palavras para puxar o assunto pretendido neste post – a verdade como critério de uma moral estética. Confesso que este é um post difícil para mim, pois este me é um assunto caro. Por isso as palavras, esses entes delicados como as cores de uma aquarela, provavelmente adquirirão um aspecto úmido... sem muitas demarcações, mas espero que o resultado seja do gosto de meus colegas.

Compartilho com meu amigo Santiago certa angústia diante da falta de critérios que acompanha a atividade artística desde o advento do modernismo. O que a seu tempo teve o significado de emancipação da arte frente imperativos um tanto aristocráticos, porém, agora já enfastia e torna a visita ao museu uma experiência que contraria, pois sabemos que as artes plásticas geralmente querem nos suspender – como os filósofos - elas nunca concordam com a gente! Quem gosta de arte esta com “a pulga atrás da orelha”, e frequentemente nos perguntamos: será que isso é arte!? Acredito que a verdade seja um critério já vislumbrado pelos modernos para se determinar uma boa obra, além disso, penso que a verdade seja um bom critério de vida – amar é tocar a verdade.

Agora, o que é a verdade? Assim pergunta Pôncio Pilatos, a figura do homem prático - o governador romano, à Jesus em seu julgamento. Essa é a pergunta que as pessoas práticas fazem aos artistas, o que você ganha com isso? Ser pintor dá dinheiro? Essas pessoas são as que pagam milhões por um Van Gogh e o deixa guardadinho no cofre da família, acreditam que podemos viver uma barganha com Deus e que traição é algo natural – afinal, até os animais traem. Jesus não responde a pergunta e também não apresenta defesa, guarda silêncio, o que me lembra a imagem evocada por Nietzsche no “Nascimento da Tragédia” do rei Midas perseguindo Sileno, companheiro de Dioniso. Midas o alcança, o agarra e pergunta ao sátiro o que o homem deveria estimar acima de tudo, o demônio cai na gargalhada e deixa escapar estas palavras: “Raça efêmera e miserável, filho do acaso e do cansaço, por que me forças a te revelar o que seria melhor para que não o possas jamais entender? Jesus não gargalha, tem compaixão do homem... mas os cristãos esquecem que a divindade não é algo doce, soft. Isso, Van Gogh percebe ao contemplar os calos dos camponeses, os milhares de homens que rastejavam nas minas do Borinage sem ver a luz do sol, a beleza  de suas obras surge deste relacionamento franco entre o homem e a natureza, contato que não podemos travar sem nos expor, a verdade são as marcas.

“A partir do momento em que nos esforcemos em viver sinceramente, tudo irá bem, mesmo que tenhamos que inevitavelmente que passar por aflições sinceras e verdadeiras desilusões; cometeremos provavelmente também pesados erros e cumpriremos más ações, mas é verdade que é preferível ter espírito ardente, por mais que tenhamos que cometer mais erros, do que ser mesquinho e demasiado prudente.” Cartas a Théo, pg. 26

Por que falar a verdade às pessoas que amamos? Por que não enganá-las? Porque ser sincero implica em ser integro e acredito que integridade é potência, tanto para os indivíduos quanto para os relacionamentos. Quando somos sinceros reconhecemos nosso caráter e alcançamos uma visão mais ampla de nosso ser, que abarca tanto virtudes como defeitos; não somos perfeitos, mas podemos ser íntegros. A partir daí, a expressão de nossos modos se aproximam do que de fato somos e isso é fundamental para que consigamos atrair e encontrar pessoas que nos são próximas, posso dizer que as chances de ser feliz em um relacionamento aumentam na proporção inversa de seus encontros..rs

Arte e verdade se encontram na força da expressividade, que nunca será harmônica com o engodo da técnica vazia. Nunca saímos intactos de um contato com uma verdadeira obra de arte, da mesma forma que certas pessoas nunca saem de nossa memória, mas uma fruição desta ordem solicita um preço alto, basta olhar o que aconteceu a nosso perturbado pintor holandês. Para encerrar, deixo-lhes esta citação final:

Campo de trigo com ciprestes - 1889, Óleo sobre tela.
“É bom amar tanto quanto possamos, pois nisto consiste a verdadeira força, e aquele que ama muito realiza grandes coisas e é capaz, e o que se faz por amor está bem feito” Cartas a Théo, pg 27.

Este post foi produzido em homenagem ao Blog de meu amigo San - Um pouco de arte.

Comentários

  1. Valeu, Brother!!
    Me sinto muito honrado... rs
    Em vez de uma resposta aki, preferi publicar o texto lá no meu blog!! Dá uma olhada lá!

    ResponderExcluir
  2. Eu estou esperando os comentários.. rsrs eu exagerei Carol Raposo!??? Oia San.. tive que reduzir o conteúdo e acho q acabou ficando um pouco mal explicado, mas é isso ae. Jah vi o seu link, vamos ver o que seus visitantes irão dizer..ou não. kkkkk alias, espero desde já o seu post sobre amor e arte!!!!! valew!!!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

O último teste - histórias que nos ajudam a encontrar o caminho

Noé e a metáfora da vida

O retorno da alegria